26 de dez. de 2017

Você é muito melhor que isso

Uma noite em algum lugar eu estava pensando... A vida nunca foi perfeita, e talvez seja por isso que sempre me prendi em um mundo irreal.

Lembro-me daquelas paredes brancas e sujas cheias de rachaduras e imagens de santos, uma cruz acima do quadro negro... Paredes que pareciam me fechar em um mundo sem saídas, sem cor, sem brilho, sem ar. Toda manhã tínhamos que rezar em grandes filas de pequenas pessoinhas, que nem sabiam o que estavam fazendo ali. Nos obrigavam a pedir perdão por nossos pecados e contar sobre nossos pecados, mas com aquela idade, saberíamos nós o que seria pecado? Nos educaram estritamente com a visão do catolicismo, reprimindo qualquer outra religião ou ideologia, o que talvez tenha levado à prisão de muitas mentes. Eles pregavam a igualdade – ou a hipocrisia? -, eles pregavam o amor, mas pouco sabiam o que acontecia fora de seus campos de visão.  

Lembro-me das eternas lições, que me cansavam, mas ao mesmo tempo eram distrações para minha mente. Lembro-me das minhas dúvidas sobre prestar atenção àquelas palavras ou ao relógio que sempre parecia congelado. Lembro-me daquele jardim com um parquinho, sob um pé de carambola... Um jardim que tinha tudo para ser lindo e incrivelmente memorável para uma criança, mas eu só consigo ter lembranças daquele gosto amargo e daquelas lágrimas quentes. Eu parecia nem mesmo conseguir ver meu próprio reflexo nas águas, pois eu não sabia mais quem eu era.



Lembro-me dos primeiros sonhos e de toda aquela loucura, as alucinações que ninguém acreditava... Eu não tinha ninguém em quem confiar, não tinha ninguém para dizer que eu não estava bem, eu não conseguia pedir socorro, eu tinha medo. Chegar em casa também não era bom como eu gostaria e certos problemas me fizeram criar um bloqueio de comunicação com a minha família. As brigas e loucuras só se acumulavam e eu preferia me isolar até mesmo na minha casa, pois eu não suportava mais tudo aquilo. Eu me sentia isolada em todo e qualquer lugar, sentia que talvez o problema era eu mesma, por não conseguir me encaixar no mundo e em suas “normalidades”.

Lembro-me daquele sonho do jardim bonito, com flores diferentes e de infinitos tons vibrantes, uma cachoeira de águas tão puras e cheias de energia, uma casinha branca que eu não podia entrar, e sentia que ali haviam tantas respostas... Aquele jardim perto das nuvens era especial, e você estava tão feliz lá, vó... Aquele foi o sonho que te levou para o céu, o sonho que eu sabia que não era só um sonho. Porque só eu sei que você está realmente lá. E isso me fez uma médium? Não. Infelizmente, fui chamada de louca e de bruxa. “Você precisa de Deus”, diziam.



Lembro-me do eco daquelas risadas cruéis, daqueles olhares indefinidos, de fofocas sem o menor sentido, da sensação de isolamento e solidão, sensação de “ser diferente”. Mas o que seria ser normal? Quais são as regras? Lembro-me de sempre ter sido a última escolhida em equipes de educação física, e isso inevitavelmente me abalava. Porque apesar de eu saber que eu realmente não jogava bem, outras pessoas também não jogavam. Mas era tudo uma questão de estereótipo e julgamento. Lembro-me de entrar no banheiro para chorar todos os dias, e de ter vontade de ficar lá dentro até a hora de ir embora, pois eu não tinha mais coragem de enfrentar o mundo. Lembro-me de nunca ter um par em tarefas de dupla e acabar me juntando com quem restava ou me encaixando em um trio em que não ficavam felizes em me ter ali, porque eu era "esquisita". Lembro-me de nunca ter tido um namoradinho na escola, porque quem eu gostava me disse que eu era muito feia e muito estranha para ele. 

E desde então, eu cresci idealizando a imagem do surgimento de um aluno novo num primeiro dia de aula que me notasse, mas de uma forma boa. Eu idealizava o surgimento de amigos, de crianças boas... Pois eu não queria mais ser sozinha! Eu criava utopias de histórias de amor e amizade que nunca existiram, talvez por ingenuidade, ou talvez por querer manter minhas esperanças. E eu ainda tinha tanta esperança dentro de mim, que até mesmo chateada e odiando todos ali dentro, lembro-me de tentar o meu melhor em falar com as pessoas, me aproximar de alguém, tentar ser “normal”, porque eu era apenas uma criança... Eu só queria ter amigos como todos, ser feliz e me sentir viva, ter alguém para dividir histórias, para me divertir, para confiar.

Mas tudo o que sei é: Em um mundo baseado em estereótipos, ninguém mantém palavras e ninguém busca entender o que se passa dentro de uma pessoa que é julgada. Ninguém estava lá por mim quando eu mais precisei. Eu fui humilhada, fui chamada de esquisita, fui trancada em um banheiro minúsculo e conhecido como “assombrado” tendo claustrofobia e sendo uma médium que nunca havia estudado sobre mediunidade. Meu medo e falta de ar pareciam me matar... Eu perdia a noção de tempo e de realidade. Eu surtei. Fui forçada a comer carambola podre com areia, fui mordida, apanhei, fui excluída, fui assediada, passei por um improviso de exorcismo, fui motivo de risada. E só porque eu era tímida? Fechada no meu próprio mundo imaginário? Porque não sabia como conversar com as pessoas e olhar nos olhos de alguém? Só porque eu era médium e não aceitava ficar estagnada naquele catolicismo exagerado? Ou porque eu tinha problemas psicológicos e assim, “diferente”? Se a sociedade diz, ok... Quem era eu para discordar do estereótipo de louca?

Eu era apenas uma garotinha perdida que queria se sentir normal, mas em certo momento eu já não sabia mais como continuar tentando, eu não sabia mais quem eu era. Eu queria fugir para longe, mas não sabia como e meus planos não saíam dos papéis. E então eu desisti, muitas vezes... Eu perdia as esperanças, mas no fundo eu não queria perdê-las. Eu queria ser forte... Porque toda a minha vida eu me senti sobrevivendo, mas eu só queria me sentir realmente viva. E eu sabia que quando esse dia chegasse eu me sentiria feliz de fato, e a pessoa mais forte do mundo. Acho que ser feliz e "viva" era meu maior sonho. 

Então, minha inocência me levou para um refúgio extraordinário... Estranho como eu ou não, meu refúgio era uma floresta encantada escondida no poço de trás da casa do meu avô. Eu posso ser estranha, mas eu sentia que aquelas "fadas disfarçadas de flores" me ouviam e me entendiam muito mais do que qualquer um. E até mesmo o saca-rolhas encantado, que era inanimado, mas parecia feliz por eu ter descoberto seu segredo e ter conseguido abrir o portal da floresta mágica em uma pedra quebrada daquele antigo poço. E os pés de amora sempre pareciam tão bonitos e cheios de conhecimento. Eles poderiam dar-lhe os melhores conselhos do mundo. As bromélias eram as enfermeiras do reino, assim como cada pequena flor, fruto e folha exercia um papel fundamental para tudo que existia ali. Os girassóis eram os melhores dançarinos do reino. Eles costumavam dançar de um lado para o outro em passos tranquilos e leves ao som da brisa do mar. O que me fazia querer ir ver o mar...



E no final da tarde, a princesa da floresta mágica ia andar na praia, como sempre fazia quando podia. Eu costumava brincar com gastrópodes, cavar a areia e catar tatuí, construir castelos de areia, tirar algumas estrelas do mar vivas do supralitoral e colocá-las no mar, observar o pôr-do-sol sentada naquelas rochas atrás da igreja ou nadar como se meu corpo estivesse todo conectado ao mar. Eu costumava mergulhar e lá de baixo olhar para cima para observar o reflexo do sol atingindo a superfície da água. Essa imagem me trazia uma paz indescritível. Eu também costumava boiar e me deixar levar com as ondas como se elas fossem extensões dos meus braços. Sentia as ondas como se fossem parte de mim. E naquele momento eu podia ser qualquer coisa que eu queria. Eu podia ser não só eu mesma, como também o oceano inteiro! Hoje eu vejo que aquele cantinho me salvou, minha inocência e criatividade me salvaram, a natureza e o mar, a sensação de querer ser livre e exploradora...



E então, o que aconteceu na minha infância me fez querer mudar, me fez ser mais e mais sonhadora, me deu mais esperanças e expectativas, me fez querer lutar por um mundo sem barreiras, sem quatro paredes, sem tristeza e longe daquele colégio cheio de gente ruim e hipócrita... Em algum lugar onde eu poderia ter oportunidades de ser quem eu sou. Eu sei que eu fui forte e corajosa quando procurei meu mundo perfeito no mundo real. Eu escolhi deixar a floresta mágica e enfrentar a vida "nada mágica". Eu sei que a cada recaída, eu penso que nunca fui forte o suficiente. Ainda é difícil às vezes e é absolutamente normal. Mas agora eu sei que preciso pensar:

Eu fui forte pra caralho! E ainda me torno cada vez mais forte a cada passo da minha vida. Por isso, eu não vou cair de novo. Eu não quero e não posso cair de novo! Eu me sinto uma pessoa mais feliz, tranquila e evoluída hoje, e sei que serei muito mais no futuro, pois não pretendo desistir de bater minhas asas enquanto ainda existir vida dentro de mim. E eu quero ver o meu futuro acontecer diante de meus olhos com uma expressão de alegria e tranquilidade. Eu quero sorrir para sempre. Eu quero paz, quero amor, quero boas inconstâncias. Quero continuar sendo esquisita, pois hoje não me envergonho disso! Eu não quero normalidade! Quero dar risada e viver momentos lindos e inesquecíveis! Quero viajar e conhecer novos lugares e novas pessoas. Quero aprender com a vida e com a essência de coisas simples. Eu quero fazer coisas incríveis. Eu sei que há algo realmente importante esperando por mim nesta vida e eu quero descobrir meu objetivo de vida!

Então, este é o meu conselho para pessoas que passaram ou estão passando por coisas semelhantes: 

Por muitas vezes, a vida é difícil e tudo parece estar fora do nosso controle. Você ouvirá muitos "não" antes de um "sim". A vida tentará derrubá-lo várias e várias vezes, incansavelmente. Você vai aprender a superar obstáculos e enfrentar desafios a partir de sofrimentos, que podem parecer te matar, mas sim, eles ensinam. E não só ensinam, mas também constroem parte de nossa história e são parcelas importantíssimas na construção da nossa mente, do nosso caráter, do que acreditamos e de tudo o que somos. Às vezes você pensará "nada nunca vai mudar!" e você pode pensar em desistir, como eu também pensei. E tentei... 7 vezes para ser exata. Uma voz bem la no fundo da sua alma chamada depressão pode gritar dizendo que você é insignificante no mundo e que sua morte não faria diferença alguma. Mas acredite em mim, "nunca" é uma palavra muito forte. E sim, tudo vai mudar! Tudo no mundo está em constante mudança. Como Lavoisier disse: "Na natureza, nada é criado, nada é perdido, tudo se transforma". Acredite na transformação, amigo(a)!


Apegue-se a coisas simples, admire as coisas mais bonitas do mundo, porque estamos cercados de belezas e energias que nem são notadas! E essas belezas fazem tanta diferença para nossa alma... Sorria mesmo que sozinho quando reparar em detalhes que te cativem e não tenha vergonha disso! Não tenha vergonha de ser 100% de quem você é! Tenha razões para viver, metas e mais metas para te fazerem não querer desistir. Sonhe e arrisque sonhar alto com toda sua essência! Porque sonhar é viver! E se você quiser mudar, mude! Fuja do mundo que te dá as costas abraçando o mundo! Liberte-se de alguma forma e não tema buscar por essa liberdade, porque um ambiente agradável faz um efeito muito mais positivo do que um antidepressivo. 

Seja feliz incondicionalmente, sinta-se bonito mesmo quando alguém lhe disser que você é feio ou estranho, porque a beleza interna vale mais e porque "esquisitisse" é algo admirável. O que é comum não é notado, passa despercebido... Aprenda a ter amor próprio, pois se não amamos a nós mesmos, quem irá nos amar? Seja luz! Seja forte! Seja você! Se deixe levar, tenha fé, tenha calma, respire fundo, inspire, expire, com calma, tenha coragem, arrisque, vá atrás de sua felicidade, evolua seu estado de espírito. Feche seus ouvidos para pessoas que têm suas cabeças fechadas. Porque você é incrível! E nunca se atreva a tentar desistir! Não porque “é pecado”, mas porque você é muito melhor que isso! E seu valor não diminui baseado na incapacidade de alguém notar a sua luz...

25 de dez. de 2017

Os verdadeiros permanecem



Só que aí eu acabei mudando. E fui mudando aos poucos... Meu sorriso mudou e a vontade de sorrir para qualquer pessoa também. Às vezes me pego olhando ao meu redor e vendo tanta gente parecida comigo. Tanta gente igual a gente. Tanta gente diferente que a gente. Tanto sentimento gritando de bocas caladas e escorrendo de olhos secos. Tanta coisa acontece com a gente, tanta gente passa pela gente, mas tão pouca gente realmente fica. E eu sei que, talvez, eu tivesse que estar triste. Talvez eu tivesse que continuar secando lágrimas, abraçando o vento e rindo no vácuo, mas o fato é que eu não consigo mais. Eu não consigo mais ficar triste por pensar que um dia eu fui - ou achei que tivesse sido - feliz. É claro que eu sinto falta de amigos, de pessoas que um dia eu achei que eu nunca viveria sem, e hoje eu estou aqui, sozinha, sem eles. Às vezes ainda é difícil e eu quase não aguento o vazio que sinto em meu coração. Às vezes estar triste é sim incontrolável, quando percebo que eu me importo e me preocupo com pessoas que nem se lembram de mim. Mas eu também aprendi com os meus próprios erros que sofrer não torna a vida mais poética, chorar não deixa a gente mais aliviado e implorar não traz ninguém de volta. Eu já gritei para tantas pessoas ficarem, mas hoje eu só quero mesmo é que elas sumam de uma vez por todas. Porque eu estou cansada de pessoas falsas, estou cansada de ser apenas uma opção, de ser um talvez. Eu estou exausta e não posso mais suportar isso. Ou eu sou tudo para você, ou eu sou nada. Escolha. E eu aprendi mais uma coisa com a minha mudança. Os verdadeiros permanecem, independente da distância. Eu posso me sentir sozinha e esquecida, mas bem lá no fundo da minha alma eu sei que tenho pessoas em quem confiar, que realmente se importam comigo. E no fim das contas, isso é o que importa de verdade. Os verdadeiros sempre permanecem...

22 de dez. de 2017

Mundo da Lua



Menina que por vezes está cercada de gente, mas por outras vezes se sente tão solitária. Seu melhor amigo pode ser seu caderno velho composto de tanta frases soltas e poesias mal acabadas, no qual ela se agarra quase todas as noites na esperança de ter alguém em quem confiar sua mais louca imaginação e suas mais tortas palavras.

Menina meiga, mas que guarda mágoas tão profundas que prefere guardá-las na parte mais funda de seu coração, para talvez nunca serem despertadas, ou ela poderia de fato enlouquecer. Menina incompreendida, mas que por vezes nem é capaz de compreender a si própria. Menina que guarda tantos arrependimentos, mas que ao mesmo tempo pensa que tudo na vida acontece por uma razão maior, por aprendizado, por evolução de espírito, por superação, por força.

Menina sozinha, menina da mente conturbada, tanta coisa a cativa, mas tanta coisa a deixa abalada. Dizem que ela vive no mundo da Lua, em seu próprio mundo, mas há refúgio melhor? Toda noite ela se sentava em sua janela e podia olhar o céu por horas. Eu não a entendia muito bem, mas diante de tanto caos, imaginar um perfeito infinito é a utopia dessa vida.

Menina tão apaixonada pelo céu, pelas estrelas. Sua maior vontade era poder agarrar a Lua, deitar na Lua olhando para as mais brilhantes estrelas cadentes e os mais belos planetas. Porque no mundo da Lua, ninguém se sente sozinho e sua melhor amiga é sua imaginação. 

Às vezes eu a observava sentada naquela cadeira de madeira, em sua própria atmosfera isolada da sociedade, observando a sociedade de longe, e a comparando com o céu. Um céu que parecia pertencer inteiramente a ela. E naquele momento eu percebi que seu mundo mágico era sua forma mais bela e necessária de sobrevivência.


Ela dizia que em seu mundo só havia paz, poeiras brilhantes, sorrisos, melodias cósmicas e poetas felizes. No mundo da Lua, em cada esquina tem um poeta a acompanhando, trazendo a poesia aconchegante no olhar, uma luz de conhecimento e a promessa de uma vida delirante de emoção.

20 de dez. de 2017

O escafandrista sonhador



Dentro de mim há cidades subaquáticas inteiras, paredes cobertas por recifes de corais, sonhos construídos por ondas... Eu durmo como quem se levanta à superfície e enche os pulmões de ar fresco, às vezes querendo acordar perdido no mar com monstros lendários e vulcões ativos, e às vezes em águas calmas com tesouros brilhantes nas profundezas do tempo deste imenso oceano, entre continentes perdidos do espaço. Eu fui chamado de louco muitas vezes, mas sou o único que pode gritar para os sete mares que vivo, de fato, feliz nesse meu mundo peculiar, enquanto há tanto sofrimento por aí considerado padrão de normalidade. Meu mundo é cheio de desafios e aventuras, com as mais belas sereias, a lula gigante mais simpática que existe e a raia viola que canta a canção das baleias jubarte no show da estrela do mar. Aqui não existem lágrimas, porque já estamos submersos em água salgada. Não há guerra nem maldade, não há tristeza e a palavra pecado não existe em nosso dicionário. Na verdade, nem dicionário temos, porque aqui não há certo e errado. Meu mundo de escafandrista sonhador é o mais belo e infinito, em um universo tão infinito quanto meus sonhos.

Meus pássaros



Os meus passos quietos são quedas livres fugindo de uma liberdade de asas feridas que não se encaixam em meus horizontes estreitos. Somos paralelos que se chocam a todo momento, assim como as ondas de meus olhos às vezes encontram pedras em outras pupilas. Eu queria poder dizer que o tempo vai além do nosso relógio, mas existe uma parte de mim que também sente urgência na eternidade e aconchego de pressas e preces. Eu deveria dizer que as estrelas brilham mesmo quando o sol ofusca nossa visão, mas a constelação que insisto em chamar de minha só brilha quando todos dormem, quando o sonho é maior que a razão e a via láctea inteira é um cisco insignificante em meus cílios. Os meus pássaros são pares de olhos cansados, que seguem o rastro do céu e pegadas na água, que apanham borboletas e sussurros no meio do caos. Às vezes eu apenas não sei o que estou fazendo aqui. Eu não consigo ver a liberdade poética nas gaiolas do mundo sem fugir pelas tangentes. Voar é sempre um desafio pra quem pulsa caos e destila espectros, pra quem procura céus nos abismos do teu peito. E eu, que ainda não alcancei nem mesmo minhas próprias expectativas, sou a luz que entra pelas suas cortinas. Sorrateira e íntima, mas nunca próxima o suficiente para ser guardada no seu bolso esquerdo. Nunca próxima o suficiente para pousar sem estilhaçar o céu...

11 de dez. de 2017

Você acredita em vidas passadas?



Eu era homem naquela imagem. Eu estava na guerra. Eu navegava eu mares perigosos. Nós podíamos ser atingidos a qualquer momento, mas por alguma razão precisávamos passar por aqueles mares. Todos usavam uniformes. Uniformes de guerra. Todos eram homens e todos falavam uma língua que não sei bem qual era. Minha cabeça girava. Algo me dizia que aquilo não era seguro e que algo a mais estava por vir. Eu me arrependia por ter ido para a guerra, mas fui obrigado. Naquela época não existiam escolhas. Homens precisavam lutar por seu país e era por isso que eu estava ali, talvez; para lutar por um país que nem eu sei se era meu. Um país que talvez não era correto, e talvez não na minha atual percepção. Tudo tinha suas contradições e seus lados. Eu estava com medo. Todos estavam com medo.

Quando menos ou quando mais esperávamos, o submarino foi atingido. Foi uma correria, um pra lá e pra cá de homens nervosos e a ansiedade me fazia tremer. Minhas mãos suavam frio e eu não conseguia me mover. Fiquei estabilizado olhando tudo a minha volta, reparando cada detalhe como se eu não estivesse mais em meu corpo e em minha natural consciência. Eu acho que minha vida passava pela minha cabeça, e eu me perguntava porque eu estava ali. Eu via relógios de todos os tamanhos, um alarme tocando, uma luz vermelha piscando, canos para todo lado. Eu não sei o que eram aquelas coisas, mas naquela vida eu sabia. 

Todos gritavam uma língua que eu não compreendia muito bem, mas soava bastante familiar para meus ouvidos. Não sei exatamente o que diziam, eu só sabia que tínhamos sido atingidos. Eu não me lembro de muitos detalhes, pois fiquei paralisado vendo toda aquela gente desesperada gritando e correndo. Aquela gente foi obrigada a ir para a guerra - a maioria -, aquela gente tinha família, filhos pequenos, e agora esses pequenos cresceriam sem seus pais. Acho que eu pensava nos meus filhos, mas eu nem sei se eu tinha filhos. Eu pensava no mundo. O que seria do mundo se as guerras ainda continuassem? O que seria do mundo e das pessoas sem paz? Sem uma definição de "humanidade" e "união"?

Em algum momento eu não pude mais pensar, porque tudo aquilo se tornou uma atmosfera de água e de medo. A água tomou conta de tudo, nada mais funcionava. Os controles não respondiam a comandos. Eu só enxergava aquela luz vermelha ainda piscando e a água subindo cada vez mais rápido. E em questão do que pareceram poucos minutos, não existia mais ar e todos nós submergimos naquela água salgada sem saída e apavorante. Minha visão ficou turva. Me faltavam ar nos pulmões. Meus órgãos tremiam por dentro. Eu estava sufocando. Não conseguia respirar. Eu olhava para o lado e via homens se debatendo, tentando gritar sem sucesso, tentando fugir dali sem sucesso e sendo levados para a morte. E naquele momento, eu me deixei levar pelas mãos de Deus. Se é que existia Deus para mim... Eu acho que fiz coisas erradas, eu colaborei com a guerra, talvez eu não merecesse ir para o "céu". Inclusive, eu me perguntava se este "céu" realmente existia e para onde eu iria, o que seria de mim depois da minha morte que estava a um segundo de acontecer. Eu não sei para onde fui. Eu só fui... As águas me levaram.

E então eu acordei deste "sonho". Com falta de ar, passando mal, chorando, sentindo meus pulmões esmagados, como se eu tivesse acabado de viver essa cena na vida real. Digo que uma das piores mortes que existem é o afogamento, a sensação de estar vivo e lutando para respirar, sem ter ar disponível; e você sentir cada segundo do sofrimento desta morte, cada dor dentro do seu corpo, cada gole inevitável de água. Sei disso, apesar de ser um sonho, e apesar de eu não ter morrido ainda, mas eu apenas sei. 

Hoje sou mulher. Tenho sonhado com isso minha vida inteira desde muito criança e eu sei que não é um simples sonho. Esse sonho me fez estudar muito o espiritismo, visões de diferentes religiões, me fez ser quem sou hoje, eu diria, pois nunca parei de buscar respostas para entender tantas e tantas situações. Nesta vida, eu continuo conectada ao mar, trabalho com o mar e sempre senti essa grande paixão pelo mar como se fosse minha casa, como se o mar me nutrisse e me desse energias para sorrir e seguir em frente. Mas inexplicavelmente tenho pavor de submarinos - ou não tão inexplicavelmente assim. E não só submarinos, mas tudo relacionado à guerra; filmes, documentários... Por um lado, essas coisas me causam um certo fascínio e por outro, calafrios e tristeza. Lágrimas surgem em meus olhos incontrolavelmente e eu me perco no momento sem saber agir.

Muitas situações que já passei nesta vida me levaram a acreditar sim em reencarnação. Eu não poderia não acreditar. Tive muitas provas de muitas coisas, e hoje só devo agradecer por entender, por superar medos e crescer tanto espiritualmente e pessoalmente; estudando, lendo, ouvindo, conhecendo pessoas tão sábias e importantes para mim. Hoje eu sei que tudo tem um porquê e tudo só depende de nós mesmos para seguirmos com sabedoria, conhecimento, força e felicidade. Hoje eu sei que este sonho não é só um sonho e que todas as vezes que fui chamada de louca, até mesmo pela minha própria família, eu não deveria ter me importado tanto. Inclusive, também foram momentos necessários. 

E sobre o mar... Eu só posso dizer que dentro de mim eu sinto que o mar é mistério, é curiosidade, é amor, é beleza, é medo, é vida e é morte. Minha paixão por ele é grande, mas o medo anda ao lado. E sinto que preciso perder este medo para subir uma escadinha a mais na evolução do meu espírito. Assim como tantos outros medos e tantos erros que devem ser corrigidos e não errados mais.