Uma noite em algum lugar eu estava pensando...
A vida nunca foi perfeita, e talvez seja por isso que sempre me prendi em um mundo irreal.
Lembro-me daquelas paredes brancas e sujas
cheias de rachaduras e imagens de santos, uma cruz acima do quadro negro... Paredes que pareciam me fechar
em um mundo sem saídas, sem cor, sem brilho, sem ar. Toda manhã tínhamos que
rezar em grandes filas de pequenas pessoinhas, que nem sabiam o que estavam
fazendo ali. Nos obrigavam a pedir perdão por nossos pecados e contar sobre
nossos pecados, mas com aquela idade, saberíamos nós o que seria pecado? Nos
educaram estritamente com a visão do catolicismo, reprimindo qualquer outra
religião ou ideologia, o que talvez tenha levado à prisão de muitas mentes.
Eles pregavam a igualdade – ou a hipocrisia? -, eles pregavam o amor, mas pouco
sabiam o que acontecia fora de seus campos de visão.
Lembro-me das eternas lições, que me cansavam,
mas ao mesmo tempo eram distrações para minha mente. Lembro-me das minhas
dúvidas sobre prestar atenção àquelas palavras ou ao relógio que sempre parecia
congelado. Lembro-me daquele jardim com um parquinho, sob um pé
de carambola... Um jardim que tinha tudo para ser lindo e incrivelmente
memorável para uma criança, mas eu só consigo ter lembranças daquele gosto amargo
e daquelas lágrimas quentes. Eu parecia nem mesmo conseguir ver meu próprio
reflexo nas águas, pois eu não sabia mais quem eu era.
Lembro-me dos primeiros sonhos e de toda aquela
loucura, as alucinações que ninguém acreditava... Eu não tinha ninguém em quem
confiar, não tinha ninguém para dizer que eu não estava bem, eu não conseguia
pedir socorro, eu tinha medo. Chegar em casa também não era bom como eu gostaria e certos problemas me fizeram criar um bloqueio de comunicação com a minha
família. As brigas e loucuras só se acumulavam e eu preferia me isolar até
mesmo na minha casa, pois eu não suportava mais tudo aquilo. Eu me sentia isolada em todo e qualquer lugar, sentia que
talvez o problema era eu mesma, por não conseguir me encaixar no mundo e em suas
“normalidades”.
Lembro-me daquele sonho do jardim bonito, com
flores diferentes e de infinitos tons vibrantes, uma cachoeira de águas tão
puras e cheias de energia, uma casinha branca que eu não podia entrar, e
sentia que ali haviam tantas respostas... Aquele jardim perto das nuvens era
especial, e você estava tão feliz lá, vó... Aquele foi o sonho que te levou para o céu, o
sonho que eu sabia que não era só um sonho. Porque só eu sei que você está
realmente lá. E isso me fez uma médium? Não. Infelizmente, fui chamada de
louca e de bruxa. “Você precisa de Deus”, diziam.
Lembro-me do eco daquelas risadas cruéis, daqueles
olhares indefinidos, de fofocas sem o menor sentido, da sensação de isolamento
e solidão, sensação de “ser diferente”. Mas o que seria ser normal? Quais são
as regras? Lembro-me de sempre ter sido a última escolhida em equipes de
educação física, e isso inevitavelmente me abalava. Porque apesar de eu saber que eu realmente
não jogava bem, outras pessoas também não jogavam. Mas era tudo uma questão de
estereótipo e julgamento. Lembro-me de entrar no banheiro para chorar todos os
dias, e de ter vontade de ficar lá dentro até a hora de ir embora, pois eu não tinha mais coragem de enfrentar o mundo. Lembro-me de
nunca ter um par em tarefas de dupla e acabar me juntando com quem restava ou
me encaixando em um trio em que não ficavam felizes em me ter ali, porque eu
era "esquisita". Lembro-me de nunca ter tido um namoradinho na escola,
porque quem eu gostava me disse que eu era muito feia e muito estranha para
ele.
E desde então, eu cresci idealizando a imagem do surgimento de um aluno novo
num primeiro dia de aula que me notasse, mas de uma forma boa. Eu idealizava o surgimento de amigos, de crianças boas... Pois eu não queria mais ser sozinha! Eu criava
utopias de histórias de amor e amizade que nunca existiram, talvez por ingenuidade, ou talvez
por querer manter minhas esperanças. E eu ainda tinha tanta esperança dentro de mim, que até
mesmo chateada e odiando todos ali dentro, lembro-me de tentar o meu melhor em
falar com as pessoas, me aproximar de alguém, tentar ser “normal”, porque eu
era apenas uma criança... Eu só queria ter amigos como todos, ser feliz e me
sentir viva, ter alguém para dividir histórias, para me divertir, para confiar.
Mas tudo o que sei é: Em um mundo baseado em
estereótipos, ninguém mantém palavras e ninguém busca entender o que se passa
dentro de uma pessoa que é julgada. Ninguém estava lá por mim quando eu mais
precisei. Eu fui humilhada, fui chamada de esquisita, fui trancada em um
banheiro minúsculo e conhecido como “assombrado” tendo claustrofobia e sendo
uma médium que nunca havia estudado sobre mediunidade. Meu medo e falta de ar
pareciam me matar... Eu perdia a noção de
tempo e de realidade. Eu surtei. Fui forçada a comer carambola podre com areia,
fui mordida, apanhei, fui excluída, fui assediada, passei por um improviso de exorcismo,
fui motivo de risada. E só porque eu era tímida? Fechada no meu próprio mundo
imaginário? Porque não sabia como conversar com as pessoas e olhar nos olhos de
alguém? Só porque eu era médium e não aceitava ficar estagnada naquele
catolicismo exagerado? Ou porque eu tinha problemas psicológicos e assim, “diferente”?
Se a sociedade diz, ok... Quem era eu para discordar do estereótipo de louca?
Eu era apenas uma garotinha perdida que queria
se sentir normal, mas em
certo momento eu já não sabia mais como continuar tentando, eu não sabia mais quem eu era. Eu queria fugir para longe, mas não sabia como e meus planos não saíam dos papéis. E então eu desisti, muitas vezes... Eu perdia as esperanças, mas no fundo eu não queria perdê-las. Eu queria ser forte... Porque toda a minha vida eu me senti sobrevivendo, mas eu só queria me sentir realmente
viva. E eu sabia que quando esse dia chegasse eu me sentiria feliz de fato, e a pessoa mais forte do mundo. Acho que ser feliz e "viva" era meu maior sonho.
Então, minha inocência me levou para um refúgio
extraordinário... Estranho como eu ou não, meu refúgio era uma floresta
encantada escondida no poço de trás da casa do meu avô. Eu posso ser estranha,
mas eu sentia que aquelas "fadas disfarçadas de flores" me ouviam e
me entendiam muito mais do que qualquer um. E até mesmo o saca-rolhas encantado,
que era inanimado, mas parecia feliz por eu ter descoberto seu segredo e ter
conseguido abrir o portal da floresta mágica em uma pedra quebrada daquele
antigo poço. E os pés de amora sempre pareciam tão bonitos e cheios de
conhecimento. Eles poderiam dar-lhe os melhores conselhos do mundo. As
bromélias eram as enfermeiras do reino, assim como cada pequena flor, fruto e
folha exercia um papel fundamental para tudo que existia ali. Os girassóis eram
os melhores dançarinos do reino. Eles costumavam dançar de um lado para o outro
em passos tranquilos e leves ao som da brisa do mar. O que me fazia querer ir
ver o mar...
E no final da tarde, a princesa da floresta
mágica ia andar na praia, como sempre fazia quando podia. Eu costumava brincar
com gastrópodes, cavar a areia e catar tatuí, construir castelos de areia,
tirar algumas estrelas do mar vivas do supralitoral e colocá-las no mar, observar
o pôr-do-sol sentada naquelas rochas atrás da igreja ou nadar como se meu corpo
estivesse todo conectado ao mar. Eu costumava mergulhar e lá de baixo olhar para
cima para observar o reflexo do sol atingindo a superfície da água. Essa
imagem me trazia uma paz indescritível. Eu também costumava boiar e me deixar levar com
as ondas como se elas fossem extensões dos meus braços. Sentia as ondas como se
fossem parte de mim. E naquele momento eu podia ser qualquer coisa que eu
queria. Eu podia ser não só eu mesma, como também o oceano inteiro! Hoje eu vejo que aquele cantinho me salvou, minha inocência e criatividade me salvaram, a natureza e o mar, a sensação de querer ser livre e exploradora...
E então, o que aconteceu na minha infância me
fez querer mudar, me fez ser mais e mais sonhadora, me deu mais esperanças e
expectativas, me fez querer lutar por um mundo sem barreiras, sem quatro paredes,
sem tristeza e longe daquele colégio cheio de gente ruim e hipócrita... Em algum lugar onde eu poderia ter
oportunidades de ser quem eu sou. Eu sei que eu fui forte e corajosa quando
procurei meu mundo perfeito no mundo real. Eu escolhi deixar a floresta mágica
e enfrentar a vida "nada mágica". Eu sei que a cada recaída, eu penso
que nunca fui forte o suficiente. Ainda é difícil às vezes e é
absolutamente normal. Mas agora eu sei que preciso pensar:
Eu fui forte pra caralho! E ainda me torno cada
vez mais forte a cada passo da minha vida. Por isso, eu não vou cair de novo.
Eu não quero e não posso cair de novo! Eu me sinto uma pessoa mais feliz, tranquila e evoluída hoje, e sei
que serei muito mais no futuro, pois não pretendo desistir de
bater minhas asas enquanto ainda existir vida dentro de mim. E eu quero ver o
meu futuro acontecer diante de meus olhos com uma expressão de alegria e
tranquilidade. Eu quero sorrir para sempre. Eu quero paz, quero amor, quero
boas inconstâncias. Quero continuar sendo esquisita, pois hoje não me envergonho disso! Eu não quero normalidade! Quero dar risada e viver momentos lindos e inesquecíveis! Quero viajar e conhecer novos lugares e novas pessoas. Quero aprender com a vida e com a essência de coisas simples. Eu quero fazer coisas incríveis. Eu sei que há algo
realmente importante esperando por mim nesta vida e eu quero descobrir meu
objetivo de vida!
Então, este é o meu conselho para pessoas que
passaram ou estão passando por coisas semelhantes:
Por muitas vezes, a vida é
difícil e tudo parece estar fora do nosso controle. Você ouvirá muitos
"não" antes de um "sim". A vida tentará derrubá-lo várias e
várias vezes, incansavelmente. Você vai aprender a superar obstáculos e
enfrentar desafios a partir de sofrimentos, que podem parecer te matar, mas
sim, eles ensinam. E não só ensinam, mas também constroem parte de nossa
história e são parcelas importantíssimas na construção da nossa mente, do nosso
caráter, do que acreditamos e de tudo o que somos. Às vezes você pensará "nada
nunca vai mudar!" e você pode pensar em desistir, como eu também pensei. E
tentei... 7 vezes para ser exata. Uma voz bem la no fundo da sua alma chamada depressão pode gritar dizendo
que você é insignificante no mundo e que sua morte não faria diferença alguma.
Mas acredite em mim, "nunca" é uma palavra muito forte. E sim, tudo
vai mudar! Tudo no mundo está em constante mudança. Como Lavoisier disse: "Na
natureza, nada é criado, nada é perdido, tudo se transforma". Acredite na transformação, amigo(a)!
Apegue-se a coisas simples, admire as
coisas mais bonitas do mundo, porque estamos cercados de belezas e energias que nem são notadas! E essas belezas fazem tanta diferença para nossa alma... Sorria mesmo que sozinho quando reparar em
detalhes que te cativem e não tenha vergonha disso! Não tenha vergonha de ser 100% de quem você é! Tenha razões para viver, metas e mais metas para te
fazerem não querer desistir. Sonhe e arrisque sonhar alto com toda sua essência!
Porque sonhar é viver! E se você quiser mudar, mude! Fuja do mundo que te dá as
costas abraçando o mundo! Liberte-se de alguma forma e não tema buscar por essa liberdade, porque um ambiente agradável faz um efeito muito mais
positivo do que um antidepressivo.
Seja feliz incondicionalmente, sinta-se
bonito mesmo quando alguém lhe disser que você é feio ou estranho, porque a beleza interna vale mais e porque "esquisitisse" é algo admirável. O que é comum não é notado, passa despercebido... Aprenda a
ter amor próprio, pois se não amamos a nós mesmos, quem irá nos amar? Seja luz! Seja forte! Seja você! Se deixe
levar, tenha fé, tenha calma, respire fundo, inspire, expire, com calma, tenha coragem, arrisque, vá atrás
de sua felicidade, evolua seu estado de espírito. Feche seus ouvidos para
pessoas que têm suas cabeças fechadas. Porque você é incrível! E nunca se atreva
a tentar desistir! Não porque “é pecado”, mas porque você é muito melhor que
isso! E seu valor não diminui baseado na incapacidade de alguém notar a sua
luz...