27 de fev. de 2018

Um ser de sensibilidades sufocadas



Ele era um homem que se sufocava tentando esconder sua própria sensibilidade. Ele era uma calma turbulenta que estranhamente parecia se equilibrar com a minha calma turbulenta. Ele era uma paz abalada, uma verdade em forma de incógnita. Ele reclamava que não conseguia definir o que eu pensava e sentia, mas ele também era um mistério para mim.  Talvez eu tenha o entendido desde a primeira vez que o vi, apesar de nem ele mesmo se entender, pelo simples fato de sermos tão parecidos. Mas eu também não me entendo às vezes e, por isso, também não sou capaz de entendê-lo sempre.

Qual é o peso da culpa ou das mágoas que ele carrega nos braços e entorta suas costas? Eu poderia tentar adivinhar muitas coisas, algumas das quais tenho certeza, mas na verdade, ele é profundo demais para alguém conhecer 100% de sua essência. Ele é um oceano inteiro. Ele era engraçado e tinha um sorriso lindo, um senso de humor único que me fazia dar gargalhadas toda vez que eu estava com ele. Mas eu também conseguia sentir que bem lá no fundo ele escondia grandes tristezas camufladas, que o assombravam de tempos em tempos.

Ele era um abismo sem fim, mas rodeado de portas, alternativas, saídas, esperanças. Ele caía no abismo de seu próprio ser, mas ele não deixava de sonhar e de usar sua imaginação com naturalidade e prazer. E é por isso que eu tinha certeza que um dia ele sairia desse abismo, ele entraria em alguma porta que o levaria a infinitas outras portas. Ele era frágil, sensível, inseguro, se achava fraco diante dos desafios do mundo. Ele só queria sentir que nunca estaria sozinho, pois odiava o silêncio da solidão, mas ele gritava para todo canto do universo que não queria ninguém ao seu lado. Ele tinha medo de se entregar aos sentimentos, tinha medo de sofrer novamente. Mas quem não tem esse medo? Ele era um pequeno prisioneiro de uma torre e só queria sair correndo sem rumo, fugir para bem longe. Longe o suficiente para viver sua tão almejada liberdade. Ele já fez muitas escolhas erradas, mas quem nunca fez?

Ele se incomodava com ele mesmo, era enrolado em tudo que fazia, era uma bagunça completa que bagunçava meu coração. Se perdia no tempo e enlouquecia por não conseguir fazer tudo que precisava fazer. Ele perdia o foco, sofria de falta de concentração, tinha oscilações de humor, e isso tudo o fazia pensar que ele não conseguiria se encaixar no mundo. Mas eu sempre procurei ser otimista, e eu aprendi que se você nasceu em um mundo onde não se encaixa, é porque você nasceu para criar um mundo novo.

Ele era artístico e tinha um dom escondido, mas duvidava de si mesmo. Ele tinha um bom coração, ele interpretava canções profundas, chorava vendo programas de música e se emocionava fácil – características raras em um homem. Ele teve excessos de amores errados e, por isso, tinha medo do amor. Ele sabia o quão sentimental era, e o quão não gostaria de ser. Ele se camuflava, se escondia, sumia, se sufocava, arrancava seu ar, esmagava seus pulmões e seu coração com suas próprias mãos; ele se matava a cada dia, e nem percebia.

Ele era viciado em café, em tabaco, em desenhar, em azar. Ele gostava de colecionar, de cozinhar, queria ser vegetariano, mas era apaixonado por hamburguer, gostava de músicas tristes, mas também gostava de Pablo Vitar. Ele era um caos peculiar. Ele gostava de estar sozinho, mas não gostava de estar solitário. Ele andava rápido na rua, mas nem ele sabia se tinha pressas na vida. Ele tragava dúvidas e assoprava uma fumaça densa de opiniões e teorias. Sua loucura parecia um pouco com a minha, e talvez isso tenha feito eu me apaixonar por ele. Mas como sou ingênua, e como tive medo...

Talvez eu tenha me apaixonado de verdade, e hoje eu nem sei ao certo. Mas sei que quis fugir. Eu quis fugir, porque mais sofrimentos devem ser evitados, entende? Sim, eu achava ele imperfeitamente perfeito, mas sua bagunça também me afetava. Eu sempre precisei de pessoas inteiras, de almas abertas e corações libertos. E ele era uma metade igualmente dividida entre a razão e a emoção, a vontade e o medo, a simpatia e a indiferença. Ele era o significado inteiro e profundo do preto e branco. Eu percebi que sua mania de se sufocar o levava a não se entregar, a não ser inteiro, não ser verdadeiro. E eu talvez devesse não me importar, mas esse era o problema. Eu me importava... Ele me intrigava, me despertava uma curiosidade difícil de explicar, eu sentia vontade de estar com ele, sentia falta dele, e eu sei o quanto sou sentimental... Se apaixonar às vezes não é o melhor dos sentimentos. Não quando temos tantas dúvidas...

Eu acho que durante toda a sua vida, ele nunca parou de se sufocar tentando esconder quem ele realmente era. E o que eu poderia fazer a respeito disso se eu era a garotinha mais perdida desse mundo? Eu poderia lhe dizer para viver o agora e cada segundo como se fosse seu último segundo, e que ele faça esse segundo valer a pena, porque a única certeza que temos é que esse último segundo chegará para todos nós. Eu poderia lhe dizer para se libertar, arriscar, viver, ser quem ele é sem medo do que pode acontecer, porque o futuro é uma caixinha de surpresas. Eu poderia dizer para ele sorrir mais porque seu sorriso é lindo, e para se entregar à vida, abrir seu coração, buscar inspiração, buscar auto controle. Eu poderia dizer que ele precisa aprender a acreditar mais nele e no seu potencial, assim como eu acredito. Que precisa aceitar críticas como uma motivação para ser melhor, e que precisa acreditar que ele é capaz, porque só assim a vida anda.


Eu poderia dizer para que ele pare de se sufocar desse jeito, porque ele é lindo daquele jeito, em cada significado de cada tatuagem dele, em cada esquina do seu ser, em cada flash de inspiração que ele tem, em cada desenho criativo que ele faz. Mas a verdade é que nada do que eu disse iria mudar o tamanho do abismo que ele é. Porque sua resposta sempre foi “Não adianta o que você me diga, não vou mudar minha forma de pensar”.  E nisso, mesmo entendendo ele tão bem e querendo ajudá-lo, eu não soube o que esperar desse ser de sensibilidades sufocadas. 

Eu nem ao menos sei porque escrevi este texto, já que ele é uma sombra do meu passado. Mas pensando bem, as sombras só existem porque existimos e porque temos uma luz sobre nós,  assim como o presente só existe porque saímos do passado, e o futuro ainda há de existir pois não deixamos de sonhar. Sabe aquela coisa do “era para ser”? Acho que eu tinha que ter conhecido ele aleatoriamente nesta vida, pois cada pessoa que passa por nossa vida deixa algum rastro, algum objetivo. Eu posso ter ajudado ele, assim como ele também me ajudou. E acredito que unidos pela amizade e similaridades sempre estaremos, pelo menos eu sempre espero por isso. E acho que escrevi este texto, pois eu apenas precisava de uma forma de futuramente me lembrar o quanto um ser de sensibilidades sufocadas foi importante em uma certa fase da minha vida.

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