24 de mar. de 2018

Você acredita no poder da meditação?




Eu imaginava uma luz branca acima da minha cabeça. Uma luz muito forte, uma luz de paz, de calma, de purificação, de renovação. Essa luz entrou em mim. Pela minha cabeça, meu pescoço... Ela percorria cada cantinho do meu corpo, enquanto tudo que havia de ruim se acumulava como uma nuvem negra no meio do meu estômago. E eu sentia enjoo. Mas a luz se espalhava cada vez mais, ela tomou conta do meu peito e fez meu coração se iluminar, fez meus pulmões se abrirem em uma inspiração profunda e cheia de luz. Eu sentia a luz penetrar em todas as minhas incontáveis células. E eu enxergava claramente a luz penetrando nas membranas plasmáticas das células, mas mantendo-as inteiras, íntegras, brilhantes. Cada organela se iluminava como pequenas estrelas e minhas células viravam o céu. Diferentes céus de diferentes pequenos mundos, que unidos formavam o universo gigante que há dentro de mim.

Aquela luz ia empurrando a nuvem negra de negatividade e tristezas cada vez mais para baixo... Ela passava por minhas pernas, joelho, calcanhar, até sair por meus pés por completa e adentrar nas profundezas da Terra. E então, eu inteirinha era a luz. Eu brilhava, sorria, levitava, me sentia energia, e não humana. Me sentia nadando na luz da Lua, cada reflexo batendo em mim nos mais perfeitos ângulos, minha mente girando feito um Fibonacci. Acho que eu não estava sob total controle da minha mente, mas eu estava calma, leve, talvez hipnotizada e só me deixei levar, porque talvez eu também precisasse de respostas...

Talvez aquela música foi o que, de fato, me hipnotizou. Mesmo eu sendo luz, a luz tinha um som, o som sempre esteve presente e parecia vim de dentro de mim também, numa frequência gostosa e profunda, que me carregou para outro plano. O som dos tambores parecia sincronizado com os batimentos do meu coração. A flauta amolecia meus músculos e me desligava. O chocalho me trazia memórias que, na verdade, eu nunca vivi. O som dos pássaros, das árvores, do vento, de um lugar desconhecido, mas estranhamente tão conhecido. Eu sentia o som de cada instrumento se conectando, cada detalhe, cada acorde em perfeita harmonia, cada voz que às vezes surgia e eu não compreendia o que diziam, mas diziam tanto... Eu sentia que me chamavam, que me conheciam. E eu sentia tanta nostalgia, tanta saudade, tanto sentimento guardado em um peito que nem era meu...

E em um certo momento eu esqueci daquela luz, porque eu havia me transportado para um corpo leve e dançante, que só se importava com aquela música, aquele mantra tão lindo... Meu corpo não era meu corpo atual, mas eu sentia com naturalidade cada movimento de cada músculo que se balançava naquele ritmo tão contagiante. Eu levantava os braços em direção à Lua, balançava meu quadril em círculos como se eu estivesse com um bambolê imaginário, sentia meus pés descalços e calejados pisando em pequenos galhos e folhas, e produzindo um som a mais naquela orquestra espiritual. Me balançava talvez da forma que o vento me balançava, porque eu também o sentia em minha pele, em harmonia, em um abraço.

Eu sentia o calor da fogueira que queimava no meio daquela celebração e, então, tudo tomou forma melhor. Eu era índia? Éramos uma tribo? O que estávamos celebrando? Por que eu dançava? Por que tocavam aquela música tão hipnotizante? Cenas começaram a surgir na minha frente como flashes de memórias, mas não eram memórias minhas, eu não era eu. Eu corria pela floresta como se estivesse fugindo de algo ou alguém, eu estava em pânico. Mas eu também corria alegre,sorrindo, observando aquela natureza tão linda, agradecendo por viver naquele lugar. Eu tomava banho de rio, brincando com as crianças, fazendo guerra de água. E eu me via presa, as mãos amarradas, pés, jogada em um canto gritando sem saber para quem. Eu cantava e dançava em noites iluminadas pela fogueira e pela Lua, porque aquilo me fazia bem, e talvez eu precisasse dar valor à momentos em que eu podia me sentir bem...

Eu tinha um arco e flecha, mas eu não caçava animais. Eu queria ser caçadora de sonhos e esperanças. Eu sentia o cheiro de sândalo se misturando com o cheirinho de terra molhada, meus cheiros preferidos. Mas eles foram trocados pelo cheiro de queimado, que vinha do fogo que queimava tão perto de mim. Enquanto isso, um homem me enforcava, ele estava em cima de mim e eu não conseguia me mover, nem gritar, eu não podia fazer nada... Sentia as lágrimas escorrendo por meu rosto como um escape, como explodir, como pedir socorro tão inutilmente. E então, eu me via abraçando uma árvore enorme. E as lágrimas se tornavam mais leves, porque eu tinha fé na força da natureza e, em particular, naquela árvore. Eu conversava com ela, rezando, com lágrimas de emoção que molhavam seu tronco e proporcionavam uma troca de energia tão intensa...

E aquelas cenas se tornavam reais demais pra minha capacidade de entendimento. Mas tudo também se tornava mais claro, porque parecia ter um um “porquê” e porque tudo era familiar demais. E de repente, aquela árvore se tornou outra árvore... O pé de amora que havia atrás da minha casa quando eu era criança. E então, eu não era mais índia. Eu era eu mesma, anos atrás, eu havia voltado à minha infância. Minha mente de Fibonacci girou e percorreu cada detalhe de cada canto daquele lugar tão especial pra mim, porque eu queria me lembrar mais dele. E as cenas voltaram a surgir na minha frente, mas dessa vez eram cenas que de fato vivi...

Eu estava no início das escadas daquela igreja, subindo devagar, vendo as ondas quebrarem nas pedras. As escadas se transformaram em grama e, de repente, eu estava naquele jardim lindo no qual sonhei uma vez, no dia em que minha bisavó faleceu. E o Sol brilhava tão perto de mim, que ofuscava minha visão e eu tinha que apertar os olhos. E então, o Sol estava em Minas, eu estava na cidade dos meus avós, e eu estava presa entre um arbusto e meu primo, que me segurava à força e tirava minha roupa...

O medo que eu sentia e a incapacidade de agir eram proporcionais aos daquela outra cena em que me seguravam no banco da capela do colégio mandando um “demônio” sair de mim. Ou como quando riam de mim, zombavam de mim e aquelas vozes ecoavam na minha cabeça sem parar. E as vozes se transformavam na minha própria voz dizendo que não posso perder as esperanças e que sempre há uma luz no fim do túnel. Esse foi o tema de um dos meus textos, que me fez ganhar o primeiro concurso de redação da minha vida, e que me motivou a escrever como fuga.

 E de repente, eu estava nadando, mergulhando naquelas ondas maravilhosas e cheias de energia. Eu sentia a liberdade no mar. E então, a liberdade se transformava em prisão. Uma prisão dentro de casa, fisicamente entre paredes tão fechadas e verbalmente, porque não havia liberdade de comunicação. Uma prisão no colégio, naquele banheiro que me trancaram, em cada momento que fui assediada e não soube agir... Isso levou à prisão do meu psicológico, da minha capacidade de raciocinar, de me entregar à vida e viver sem lembrar do passado. Eu era prisioneira dos meus traumas. Eu era prisioneira dos meus próprios pensamentos embaralhados em realidades distintas.

E tudo estranhamente parecia se encaixar. Realidades distintas... Talvez tudo realmente era real. Talvez já fui índia com traumas muito parecidos com meus traumas da vida atual. Talvez isso explique essa situação louca que vivenciei conectada a um mantra xamânico. Talvez minha busca por respostas num espaço xamânico tenha tido uma razão que até então, eu nem sabia. Talvez tudo seja carma e eu precise superar traumas e corrigir erros. Talvez tudo seja muito mais óbvio do que imaginamos e muito mais profundo do que acreditamos.

Talvez todas as nossas vidas estejam interligadas com cenas e emoções similares, que se conectam através do pensamento, da alma,da espiritualidade. E então somos redes de corpos diferentes, mas de um mesmo espírito. De vidas diferentes, mas de certa forma, uma mesma vida, que se renova e deve continuar com um outro objetivo, em outro lugar. E o conjunto dessas redes, ou o conjunto dessas vidas, é a minha vida. Sou eu, apenas. É o meu universo que brilha, e meu brilho é a minha luz no fim do túnel.

E essas redes são proporcionais às conexões de minhas células. Aquelas células iluminadas como o céu e que, unidas, formam o meu universo. E tudo começa a voltar... As estrelas, minhas organelas, minhas células, meus órgãos, membros, eu cheia de luz, a luz acima da minha cabeça, eu elevo minha cabeça como que em busca da luz, porque não quero que ela se afaste de mim. E então, eu voltei ao meu corpo e ao meu estado natural após uma longa e profunda meditação.

Eu chorava e nem havia sentido que estava chorando, mas eu chorava muito. Eu nem sabia que era possível chorar meditando e só perceber isso após a meditação. Eu não sabia o que sentir. Não sabia se sentia medo ou alívio, não sabia se me emocionava com o que presenciei ou se sentia o nervosismo. Mas talvez isso tenha me ajudado a colocar certos pensamentos em ordem. Talvez isso tenha me ajudado a tirar pesos de mim, a me dar uma força superando traumas, lidando de forma mais natural com problemas... Eu não sabia se eu deveria considerar isso real ou um sonho. Não sabia se havia dormido meditando ou se minha mente realmente viajou para tão longe daqui e tão perto de respostas quase que indecifráveis. Talvez eu até já saiba demais, mas na verdade, isso me leva a não saber de absolutamente nada.

10 de mar. de 2018

Uma montanha russa




Às vezes, minha existência judia da minha capacidade de raciocinar. Penso sem parar em trocentos mundos anti paralelos, curvos, com voltas e voltas; e construo uma montanha russa imaginária. Mas ela é tão complexa que embaralha meu raciocínio, me desespera, ataca meu coração, a ansiedade e a adrenalina me dão um tapa na cara, eu me desprendo do cinto de segurança e desabo em uma das curvas da minha montanha russa. Eu desabo no precipício do meu próprio ser e ouço meu próprio grito estridente, mas não com meus ouvidos. Ouço minha voz ecoando dentro da minha cabeça, e a consequência escorre por meus olhos.

Eu tenho medo de pensamentos. E talvez este seja um dos meus maiores medos da vida, pois pensamentos têm força e quando eles se unem, tornam-se muito mais fortes que eu. Isso me cansa. Pensar demais cansa, pensamentos cansam a minha existência relativa. Eles cansam tanto, eles me mastigam e cospem em mim. Eles machucam, apertam meu coração, eles não tem dó das minhas fraquezas. Eles sugam minhas energias, energias que eu busco tão incansavelmente... E eu acabo despedaçando sem querer alguma hora.

Eu despedaço porque não sei agir e muitas das vezes opto pela ação errônea. Eu despedaço porque às vezes tanto a direita quanto a esquerda me levam à mesma parede onde bato de frente com minhas dúvidas, anseios e inseguranças. Às vezes, eu me sinto em um labirinto, correndo procurando a saída, enquanto o mundo me observa rindo, pois o labirinto não tem uma saída e eu continuo me iludindo na esperança de sair dali e encontrar um grande campo aberto de gramas verdinhas e um céu azul cheio de nuvens em formato de coração.  

Eu tenho pólos extremos e nunca sei andar ali por aquele caminho do meio, onde tudo parece mais tranquilo e equilibrado. Ou eu sou de mais ou eu sou de menos. Eu percorro ruas erradas, e as ruas são minhas próprias pernas; confusas, perdidas, cansadas, cheias de rachaduras e paralelepípedos quebrados, cheias de becos escuros e perigosos. E minhas ruas são molhadas porque lá de cima a chuva cai com medo do impacto, com nostalgia, ela cai com lembranças e vontade de mudanças. E meus olhos são as nuvens, de onde chove, e chove tanto...

E o dia passa rápido aqui nessa cidade que sou eu mesma, a existência se acelera e às vezes eu perco a noção do mundo, pois tenho a estranha mania de viver no meu próprio mundo. Mas o tempo é relativo demais para eu temer uma rapidez aparente ou ter pressas desnecessárias. Eu penso sobre as velocidades do tempo e nos relógios da vida e tropeço nas minhas contradições... Porque também  penso que minha família  tem pressas óbvias; pressa por liberdade, por felicidade, por paz, e nesses momentos o tempo deixa de ser relativo para mim e torna-se concreto demais para ignorá-lo. Eu quero ter calma e pensar que ainda tenho tempo demais pela frente, que sou muito nova e que na verdade o tempo não existe! Mas nem sempre pensarei assim. As dúvidas e as instabilidades me fazem sim ter pressa, porque eu não consigo não temer o futuro.

E eu também penso no amor, nos diferentes lados do amor... Penso que amor e felicidade andam juntos, porque falta de amor leva à amargura. Penso que dependo de alguém para amar, ser amada e assim, ser feliz, porque eu nunca aprendi a ser feliz sozinha. Eu sempre tive medo da solidão. Mas ora, dias atrás eu também pensei que o amor próprio existe e precisamos dele em primeiro lugar. E minha concepção de amor se torna mais uma de minhas eternas contradições.

Dizem que temos que plantar o amor, mas eu nunca precisei disso... Eu nunca plantei um amor, porque o amor sempre esteve ativo em mim, o amor sempre esteve dentro da minha alma, eu sempre o senti, inclusive eu sempre sinto demais; o amor sou eu mesma inteirinha. O amor foi plantado em mim no dia que eu nasci e hoje sou uma árvore inteira que só quer ser polinizada para espalhar amor ao mundo. Só que o amor dói, e dor de amor é a dor que mais afeta o estado da felicidade. Ironias da existência...

Penso que talvez o amor seja um portal. Aquele único ponto onde o físico e o espiritual se conectam já que ele afeta os dois lados. E se é no amor que o mundo físico e o mundo espiritual se conectam, talvez o amor seja a resposta para a comprovação da existência de outros planos, e isso poderia ser a salvação de muitas vidas se todos fôssemos amor. E isso é bonito de se pensar, pois acabo caindo naquele outro pensamento que também já pensei sobre Deus ser amor, e também sobre Deus ser tudo, todas as energias, as energias de cada ser, o que faz o mundo ser o mundo. Mas não existe amor em tudo, existem muitas guerras pelo mundo – o que vai completamente contra o conceito de amor - e nem todo amor é correspondido. Portanto, ou Deus não é amor ou Deus não é tudo ou Deus não existe, pois eu prefiro pensar que o amor existe.

Só que o amor é difícil, é complicado e por muitas vezes não depende só de mim. Porque o amor deve ser compartilhado! Eu não posso amar sozinha... Às vezes penso que eu não dou certo no amor por conta de quem eu sou, por conta daquela minha existência relativa que me faz ser perdida e me faz agir erroneamente. E aí eu preciso ser forte e resistente para suportar tanto pensamento aleatório, porque o pensamento realmente machuca e o amor também. Mas a força tem de ser estável, e eu sou inteiramente fluida e frágil. Tenho uma "r existência fluida", praguejada e sempre relativa. Tenho a montanha russa em mim.

Eu vivo nas instabilidades e isso me dá medo, porque instabilidade traz mudanças repentinas e surpresas que nem sempre surgem a favor dos meus desejos e anseios. Em um pequeno instante do universo mundos podem mudar, pensamentos podem mudar, tudo pode mudar e então, eu viro solidão. Eu viro uma poeira imperceptível que flutua no meio do nada, sozinha e pensativa, procurando por um pouco de amor em algum coração, sonhando com o impossível e almejando ver o mundo inteiro espalhando por aí que o amor não é banal.     


2 de mar. de 2018

Saquarema



Um amanhecer calmo, ao som dos pássaros e do vento que fazia as árvores dançarem. As manhãs eram cobertas de uma névoa branca, leve, misteriosa. Névoa que me lembrava o céu e que me fazia acreditar que era possível tocar nas nuvens, abraçar as nuvens, fazê-las de escorregador. As folhas amanheciam cobertas pelo orvalho, o que me fazia pensar que é normal chorar às vezes já que até as plantas choram. E o sol acordava junto com a cidade, mandando embora toda uma certa melancolia que pairava no ar e emanando luz e alegria. Este era o amanhecer em Saquarema. 

Ê Saquarema... Cidade litorânea com cara de interior. Cidade do surf, das melhores ondas, dos campeonatos. Cidade dos pescadores simpáticos que traziam em suas almas um sentido mais profundo daquela expressão "história de pescador", porque cada história construída em Saquarema tinha sua magia e seu gostinho de singularidade. Saquarema ensina às pessoas o que é simplicidade e humildade, mostrando que não precisamos de muito para sermos felizes. Saquarema ensina que o verdadeiro perdedor não é aquele que não ganha, e sim aquele que tem tanto medo de perder que nem ao menos tenta... E Saquarema te ensina a tentar, porque o horizonte grita que é possível alcançarmos aquele cantinho onde o Sol dorme.

As tardes eram quentes e cheias de aventuras. Aquelas tardes em Itaúna... Tardes entrelaçadas entre grãos de areia, castelos, caça à tatuís, biscoitos de polvilho e sorrisos. E quantos sorrisos... Quando não assim, as tardes eram perdidas dentre as árvores daquela floresta mágica escondida atrás de casa, apurando nossa imaginação e criatividade em meio a tanta inocência. Parecia normal acreditar em um portal mágico que se abria numa pedra quebrada daquele poço, acreditar em fadas, duendes, em girassóis dançarinos, bromélias enfermeiras, pés de amora conselheiros, e em reinos onde não havia tristeza e injustiças. Mas em Saquarema tudo realmente era possível e normal, pois a vida parecia não ter limites e eu não me cobrava o conceito de normalidade. 

Estradinhas, ruas de terra ou de paralelepípedos cercadas pelo verde das árvores e algumas casinhas cheias de memórias guardadas; eram as ruas de Saquarema. De vez ou outra, apareciam alguns urubus ou gaviões nas árvores da rua de casa. Eles me observavam atentamente enquanto eu passava também os observando e pensando que talvez eles estivessem pensando o mesmo que eu. "O que será que ela está pensando? Talvez o mesmo que nós."



As praias de Saquarema são de tombo, com ondas fortes e perfeitas para surfistas. Mas apesar disso, eu não tinha medo de me aventurar naqueles mares, pois eles pareciam me chamar de forma muito serena, mesmo com tamanha força. Eu nadava no perigo e nem pensava nisso, pois era amor que eu sentia ali e em cada canto de Saquarema. Eu me deixava levar com as ondas como se elas fossem extensões dos meus braços, e essa sensação me trazia não só a certeza de ser quem eu era, como também me trazia a possibilidade de ser o oceano inteiro. Eu me sentia mais forte pensando nas coisas da vida, eu substituía as mágoas por sonhos, eu me renovava, me sentia capaz de enfrentar, superar e conquistar muita coisa. 

Eu mergulhava como uma criança destemida que só sonhava em explorar outros mundos e ver a vida com outros olhos. Eu nadava fundo segurando o máximo de ar que eu conseguia para aproveitar cada segundo submersa, pois eu queria saber como era ser um peixe. Eu olhava para cima e via o reflexo do sol bater na superfície da água, dançando entre as ondinhas que brilhavam tanto... E eu acho que essa foi uma das cenas que mais me trouxeram paz na vida; uma cena que jamais vou esquecer.   

Quando o Sol estava indo embora, meu lugar preferido eram aquelas pedras atrás da igreja, que nem sempre minha vó me deixava ir, pois ela dizia ser perigoso. Mas talvez o perigo sempre tenha me causado um certo fascínio. Não posso dizer que ali presenciei o pôr do sol mais bonito da minha vida, pois hoje sou colecionadora de pores do sol. Mas naquela época, eu me sentia espectadora do pôr do sol mais lindo do mundo. Talvez simplesmente por ser Saquarema, minha cidade do coração, meu cantinho preferido, lugar que me ensinou tanto, que me fazia ser livre e inteira, refúgio da minha infância. Naquelas pedras escrevi "amem sem acento para amar mais", pois apesar de estar atrás de uma igreja, eu sempre quis espalhar amor.



De noite havia a feirinha hippie de Saquarema, ao lado da praça do canhão. Um lugarzinho cheio de boas energias e pessoas que emanavam simplicidade e brilho nos olhos, e que espalhavam a importância da arte. Ali existe até hoje a melhor cocada do mundo! Ali talvez tenha surgido meu interesse por artesanato, por arte, tantos diferentes tipos de arte. Na verdade, muitas das coisas que mais amo surgiram em Saquarema. Ali presenciei a capoeira pela primeira vez na vida, e aquilo me intrigava porque apesar de cantarem "zum zum zum capoeira mata um", eu só enxergava uma linda dança.

Ê Saquarema... Naquela praça, eu caminhava com passos lentos, aproveitando a calma da noite, sentindo a brisa do mar, o cheirinho de maresia, o clima caiçara, observando sorrisos perdidos, e os caranguejinhos que subiam na muretinha onde as ondas quebravam... Eu via meninos pulando da ponte e caindo na água com gargalhadas ecoando, provocando um som de diversão. Eu via gaivotas rasgando o céu e dançando o som da liberdade. Naquela época eu mal sabia o que eram gaivotas e as apelidei de "bicudinhos". Eu gostava tanto de ficar vendo elas voarem, que desta forma acho que eu me sentia mais íntima delas; eu também queria voar, queria ser um bicudinho. 



Eu via barquinhos coloridos ancorados, barquinhos de gente aventureira; e eu também desejava ser assim, aventureira, ter um barquinho e viajar por mares misteriosos. Eu via formigas caminhando em fila e carregando pequenas folhas em cima de suas humildes cabecinhas, e eu desejava ser formiga também. Eu queria carregar esperança nas costas, carregar uma visão do amanhã. Porque a vida sempre foi muito vaga... 

Em casa, lembro-me do som dos grilos, gafanhotos e cigarras, e das pererecas que às vezes entravam em casa e assustavam minha vó, trazendo aquele clima gostoso de comédia. Lembro-me dos lanchinhos de pão com ovo mexido, do cuz cuz carioca, que eram preparados com tanto amor naquele fogão velho e enferrujado de 4 bocas. O gostinho de casa, cheirinho de amor, simplicidade que contagiava almas. Lembro-me de me balançar na rede que tinha no meio da sala, observando a arara de madeira pendurada acima de mim. Uma sala praiana, eu diria...

Em meu quarto havia um quadro com uma boneca pintada carregando flores em um carrinho de mão. Na verdade, eu nunca entendi muito bem aquele quadro, mas ele me fazia querer ser vendedora de flores, distribuir flores por aí colorindo os caminhos da vida. Ou ser como as flores, vendedoras de sonhos... Eu sinto falta de olhar para aquele quadro. De fato, sinto falta de muitas coisas. Eu precisei partir, pois a vida cobra isso de nós alguma hora. Minha hora de enfrentar o mundo chegaria, e eu queria mesmo ir atrás dos meus sonhos com toda a vontade e coragem que eu tinha guardadas no peito. Mas talvez eu só tenha ido porque Saquarema me fez assim...



Saquarema construiu minha alma livre de "bicudinho" e aventureira de pescador. Saquarema construiu meu coração cheio de amor ao mar e também tão profundo e difícil de entender quanto os oceanos. Saquarema me fez exploradora, sonhadora, me fez criança feliz. Saquarema me deu a oportunidade de viver os únicos momentos felizes da minha infância, de verdade... Saquarema me deu forças para lutar, me deu fé, esperança, humildade, criatividade, simplicidade, paz, fluidez. E eu carregarei eternamente minha gratidão e amor por essa cidade, enquanto eu respirar, enquanto meu coração bater e até meu último suspiro. Após isso, quero me misturar naquelas águas e viver para sempre como parte desse imenso e lindo oceano.