Às vezes,
gosto de pegar minha bicicleta e sair por aí sem rumo. Só ir... Sentir a
sensação de liberdade que pedalar me trás. Gosto de pedalar de madrugada,
porque gosto da calma que a noite tem. A noite não tem buzinas gritando, o
trânsito caótico, pessoas com seus afazeres. A noite é silenciosa, vazia,
iluminada pelas estrelas, a noite tem sua própria magia. Eu pedalo como se o
mundo estivesse pausado e apenas eu estivesse em movimento. A vida se torna
movimento e então, me sinto viva.
Mas eu
tenho a mania de ter ápices de pensamentos opostos e em algum momento penso nos
perigos que a noite pode esconder. Isso me faz acelerar e meus sentidos se despertam.
Minhas pupilas dilatam e eu observo detalhes com mais atenção, eu sinto que
ouço melhor, sinto o ar frio entrar em meus pulmões com mais força, eu sinto a
adrenalina se espalhando por cada esquina do meu corpo, eu sinto e ouço meu
coração bater mais forte. E então, me sinto ainda mais viva.
Pedalando
rápido no meio da cidade deserta, sinto o vento bater contra mim fazendo meus
cabelos voarem; e eu amo essa sensação. Sinto o frescor da noite, minha pele
mais gelada, meus músculos ganhando o ritmo dos pedais, dançando uma pressa em
atmosferas de paz. Eu ouço o som da bicicleta como se ela ganhasse vida e me
contasse sobre o quanto ela também ama sair correndo por aí. E então, tudo se
torna vida... Vida que é notada, vida que segue, vida que corre, vida que se
transforma, vida que é vivida.
Eu acabo me
dispersando daquele sentimento de medo e deixando o momento fluir, porque as
boas sensações me atraem e tomam conta do meu ser. Ou talvez porque inevitavelmente
gosto
dessa coisa de estar em risco. Desde pequena ouço minha vó me dizer que
tenho uma alma aventureira, destemida, exploradora, que gosto do perigo, e isso
sempre a preocupou.
Mas ora, a
adrenalina foi um hormônio de fundamental importância para a seleção natural, a
sobrevivência e desenvolvimento humano. Indivíduos que conseguiam sintetizar
mais eficientemente este hormônio tinham muito mais vantagens em situações de
risco, e naquela época, tudo poderia ser um risco. Talvez eu já tenha me
sentido tão sem vida nessa vida, que me tornei uma louca apaixonada por riscos
e pelas consequências da adrenalina, pelo simples fato de estar sobrevivendo e
assim, vivendo.
Na avenida
da praia, pedalo olhando as pequenas ondas quebrarem na costa formando espumas
que se seguem em perfeita sintonia. Observo o jardim e os detalhes de cada
planta, os galhos de árvores que crescem por cima da ciclovia, os prédios com
tão poucas luzes acesas, as rodas da minha bicicleta deslizando sobre palavras
pintadas e rachaduras no chão. Eu pedalo olhando para o céu, e o céu parece me
engolir e me carregar para um mundo onde minha constelação é só minha e ela só
existe quando todos dormem, e quando o sonho é maior que a razão.
Eu me perco
tanto nessas boas sensações, que um ciclista passa rápido por mim me
ultrapassando e eu nem havia o notado antes. Isso faz meu coração acelerar no
susto e trás a adrenalina à tona, martelando em mim a cada batida e me
lembrando que preciso prestar atenção no mundo real. Passo pela ruazinha da
igreja, aquela igreja tão linda que me encanta com seu toque de França antiga,
e ali sei que estou chegando em casa e posso me acalmar. Me acalmo, pois gosto
de observar os detalhes de sua construção de pedra, os desenhos, formatos nas
portas, aquele ar misterioso e sombrio, que faz eu me sentir vivendo dentro de
um filme.
E logo,
chego em casa. Chego com um sorriso no rosto e com a alma carregada de paz, por
perceber que fiz um poema mental durante meu trajeto. Eu senti medo, senti
euforia, senti prazer e felicidade, eu me entreguei aos sentidos, eu sobrevivi
a mais um dia singular nas brisas da noite e eu vivi, vivi com todo meu
coração. Como sempre busquei viver.