27 de fev. de 2018

Pedalando Vida



Às vezes, gosto de pegar minha bicicleta e sair por aí sem rumo. Só ir... Sentir a sensação de liberdade que pedalar me trás. Gosto de pedalar de madrugada, porque gosto da calma que a noite tem. A noite não tem buzinas gritando, o trânsito caótico, pessoas com seus afazeres. A noite é silenciosa, vazia, iluminada pelas estrelas, a noite tem sua própria magia. Eu pedalo como se o mundo estivesse pausado e apenas eu estivesse em movimento. A vida se torna movimento e então, me sinto viva.

Mas eu tenho a mania de ter ápices de pensamentos opostos e em algum momento penso nos perigos que a noite pode esconder. Isso me faz acelerar e meus sentidos se despertam. Minhas pupilas dilatam e eu observo detalhes com mais atenção, eu sinto que ouço melhor, sinto o ar frio entrar em meus pulmões com mais força, eu sinto a adrenalina se espalhando por cada esquina do meu corpo, eu sinto e ouço meu coração bater mais forte. E então, me sinto ainda mais viva.

Pedalando rápido no meio da cidade deserta, sinto o vento bater contra mim fazendo meus cabelos voarem; e eu amo essa sensação. Sinto o frescor da noite, minha pele mais gelada, meus músculos ganhando o ritmo dos pedais, dançando uma pressa em atmosferas de paz. Eu ouço o som da bicicleta como se ela ganhasse vida e me contasse sobre o quanto ela também ama sair correndo por aí. E então, tudo se torna vida... Vida que é notada, vida que segue, vida que corre, vida que se transforma, vida que é vivida.

Eu acabo me dispersando daquele sentimento de medo e deixando o momento fluir, porque as boas sensações me atraem e tomam conta do meu ser. Ou talvez porque inevitavelmente  gosto  dessa coisa de estar em risco. Desde pequena ouço minha vó me dizer que tenho uma alma aventureira, destemida, exploradora, que gosto do perigo, e isso sempre a preocupou.

Mas ora, a adrenalina foi um hormônio de fundamental importância para a seleção natural, a sobrevivência e desenvolvimento humano. Indivíduos que conseguiam sintetizar mais eficientemente este hormônio tinham muito mais vantagens em situações de risco, e naquela época, tudo poderia ser um risco. Talvez eu já tenha me sentido tão sem vida nessa vida, que me tornei uma louca apaixonada por riscos e pelas consequências da adrenalina, pelo simples fato de estar sobrevivendo e assim, vivendo.

Na avenida da praia, pedalo olhando as pequenas ondas quebrarem na costa formando espumas que se seguem em perfeita sintonia. Observo o jardim e os detalhes de cada planta, os galhos de árvores que crescem por cima da ciclovia, os prédios com tão poucas luzes acesas, as rodas da minha bicicleta deslizando sobre palavras pintadas e rachaduras no chão. Eu pedalo olhando para o céu, e o céu parece me engolir e me carregar para um mundo onde minha constelação é só minha e ela só existe quando todos dormem, e quando o sonho é maior que a razão.

Eu me perco tanto nessas boas sensações, que um ciclista passa rápido por mim me ultrapassando e eu nem havia o notado antes. Isso faz meu coração acelerar no susto e trás a adrenalina à tona, martelando em mim a cada batida e me lembrando que preciso prestar atenção no mundo real. Passo pela ruazinha da igreja, aquela igreja tão linda que me encanta com seu toque de França antiga, e ali sei que estou chegando em casa e posso me acalmar. Me acalmo, pois gosto de observar os detalhes de sua construção de pedra, os desenhos, formatos nas portas, aquele ar misterioso e sombrio, que faz eu me sentir vivendo dentro de um filme.


E logo, chego em casa. Chego com um sorriso no rosto e com a alma carregada de paz, por perceber que fiz um poema mental durante meu trajeto. Eu senti medo, senti euforia, senti prazer e felicidade, eu me entreguei aos sentidos, eu sobrevivi a mais um dia singular nas brisas da noite e eu vivi, vivi com todo meu coração. Como sempre busquei viver.

Um ser de sensibilidades sufocadas



Ele era um homem que se sufocava tentando esconder sua própria sensibilidade. Ele era uma calma turbulenta que estranhamente parecia se equilibrar com a minha calma turbulenta. Ele era uma paz abalada, uma verdade em forma de incógnita. Ele reclamava que não conseguia definir o que eu pensava e sentia, mas ele também era um mistério para mim.  Talvez eu tenha o entendido desde a primeira vez que o vi, apesar de nem ele mesmo se entender, pelo simples fato de sermos tão parecidos. Mas eu também não me entendo às vezes e, por isso, também não sou capaz de entendê-lo sempre.

Qual é o peso da culpa ou das mágoas que ele carrega nos braços e entorta suas costas? Eu poderia tentar adivinhar muitas coisas, algumas das quais tenho certeza, mas na verdade, ele é profundo demais para alguém conhecer 100% de sua essência. Ele é um oceano inteiro. Ele era engraçado e tinha um sorriso lindo, um senso de humor único que me fazia dar gargalhadas toda vez que eu estava com ele. Mas eu também conseguia sentir que bem lá no fundo ele escondia grandes tristezas camufladas, que o assombravam de tempos em tempos.

Ele era um abismo sem fim, mas rodeado de portas, alternativas, saídas, esperanças. Ele caía no abismo de seu próprio ser, mas ele não deixava de sonhar e de usar sua imaginação com naturalidade e prazer. E é por isso que eu tinha certeza que um dia ele sairia desse abismo, ele entraria em alguma porta que o levaria a infinitas outras portas. Ele era frágil, sensível, inseguro, se achava fraco diante dos desafios do mundo. Ele só queria sentir que nunca estaria sozinho, pois odiava o silêncio da solidão, mas ele gritava para todo canto do universo que não queria ninguém ao seu lado. Ele tinha medo de se entregar aos sentimentos, tinha medo de sofrer novamente. Mas quem não tem esse medo? Ele era um pequeno prisioneiro de uma torre e só queria sair correndo sem rumo, fugir para bem longe. Longe o suficiente para viver sua tão almejada liberdade. Ele já fez muitas escolhas erradas, mas quem nunca fez?

Ele se incomodava com ele mesmo, era enrolado em tudo que fazia, era uma bagunça completa que bagunçava meu coração. Se perdia no tempo e enlouquecia por não conseguir fazer tudo que precisava fazer. Ele perdia o foco, sofria de falta de concentração, tinha oscilações de humor, e isso tudo o fazia pensar que ele não conseguiria se encaixar no mundo. Mas eu sempre procurei ser otimista, e eu aprendi que se você nasceu em um mundo onde não se encaixa, é porque você nasceu para criar um mundo novo.

Ele era artístico e tinha um dom escondido, mas duvidava de si mesmo. Ele tinha um bom coração, ele interpretava canções profundas, chorava vendo programas de música e se emocionava fácil – características raras em um homem. Ele teve excessos de amores errados e, por isso, tinha medo do amor. Ele sabia o quão sentimental era, e o quão não gostaria de ser. Ele se camuflava, se escondia, sumia, se sufocava, arrancava seu ar, esmagava seus pulmões e seu coração com suas próprias mãos; ele se matava a cada dia, e nem percebia.

Ele era viciado em café, em tabaco, em desenhar, em azar. Ele gostava de colecionar, de cozinhar, queria ser vegetariano, mas era apaixonado por hamburguer, gostava de músicas tristes, mas também gostava de Pablo Vitar. Ele era um caos peculiar. Ele gostava de estar sozinho, mas não gostava de estar solitário. Ele andava rápido na rua, mas nem ele sabia se tinha pressas na vida. Ele tragava dúvidas e assoprava uma fumaça densa de opiniões e teorias. Sua loucura parecia um pouco com a minha, e talvez isso tenha feito eu me apaixonar por ele. Mas como sou ingênua, e como tive medo...

Talvez eu tenha me apaixonado de verdade, e hoje eu nem sei ao certo. Mas sei que quis fugir. Eu quis fugir, porque mais sofrimentos devem ser evitados, entende? Sim, eu achava ele imperfeitamente perfeito, mas sua bagunça também me afetava. Eu sempre precisei de pessoas inteiras, de almas abertas e corações libertos. E ele era uma metade igualmente dividida entre a razão e a emoção, a vontade e o medo, a simpatia e a indiferença. Ele era o significado inteiro e profundo do preto e branco. Eu percebi que sua mania de se sufocar o levava a não se entregar, a não ser inteiro, não ser verdadeiro. E eu talvez devesse não me importar, mas esse era o problema. Eu me importava... Ele me intrigava, me despertava uma curiosidade difícil de explicar, eu sentia vontade de estar com ele, sentia falta dele, e eu sei o quanto sou sentimental... Se apaixonar às vezes não é o melhor dos sentimentos. Não quando temos tantas dúvidas...

Eu acho que durante toda a sua vida, ele nunca parou de se sufocar tentando esconder quem ele realmente era. E o que eu poderia fazer a respeito disso se eu era a garotinha mais perdida desse mundo? Eu poderia lhe dizer para viver o agora e cada segundo como se fosse seu último segundo, e que ele faça esse segundo valer a pena, porque a única certeza que temos é que esse último segundo chegará para todos nós. Eu poderia lhe dizer para se libertar, arriscar, viver, ser quem ele é sem medo do que pode acontecer, porque o futuro é uma caixinha de surpresas. Eu poderia dizer para ele sorrir mais porque seu sorriso é lindo, e para se entregar à vida, abrir seu coração, buscar inspiração, buscar auto controle. Eu poderia dizer que ele precisa aprender a acreditar mais nele e no seu potencial, assim como eu acredito. Que precisa aceitar críticas como uma motivação para ser melhor, e que precisa acreditar que ele é capaz, porque só assim a vida anda.


Eu poderia dizer para que ele pare de se sufocar desse jeito, porque ele é lindo daquele jeito, em cada significado de cada tatuagem dele, em cada esquina do seu ser, em cada flash de inspiração que ele tem, em cada desenho criativo que ele faz. Mas a verdade é que nada do que eu disse iria mudar o tamanho do abismo que ele é. Porque sua resposta sempre foi “Não adianta o que você me diga, não vou mudar minha forma de pensar”.  E nisso, mesmo entendendo ele tão bem e querendo ajudá-lo, eu não soube o que esperar desse ser de sensibilidades sufocadas. 

Eu nem ao menos sei porque escrevi este texto, já que ele é uma sombra do meu passado. Mas pensando bem, as sombras só existem porque existimos e porque temos uma luz sobre nós,  assim como o presente só existe porque saímos do passado, e o futuro ainda há de existir pois não deixamos de sonhar. Sabe aquela coisa do “era para ser”? Acho que eu tinha que ter conhecido ele aleatoriamente nesta vida, pois cada pessoa que passa por nossa vida deixa algum rastro, algum objetivo. Eu posso ter ajudado ele, assim como ele também me ajudou. E acredito que unidos pela amizade e similaridades sempre estaremos, pelo menos eu sempre espero por isso. E acho que escrevi este texto, pois eu apenas precisava de uma forma de futuramente me lembrar o quanto um ser de sensibilidades sufocadas foi importante em uma certa fase da minha vida.

Arte é a inocência de uma criança

Por muitas vezes, nós não nos damos conta de como a arte nos trespassa de todo lado. Poucos são os que ainda veem arte e beleza nas coisas simples do dia a dia. A vida acaba nos impondo responsabilidades, estresse, correria, rotina, e nós como meros robôs controlados por um sistema esquecemos a real essência do existir, do viver com a alma aberta a novas inspirações, aquela essência que tínhamos quando criança e tudo parecia fácil e mágico. Hoje vemos rastros de uma sociedade caótica, em que dinheiro fala mais alto que amor, buzinas camuflam o canto dos pássaros, falta de respeito e preconceito são mais comuns do que gentileza e sorrisos. Onde foi parar aquela essência? Por que as cobranças mudam tanto nossa forma de pensar e agir?

Antes, nuvens poderiam ser feitas de algodão doce, flores poderiam ser fadas disfarçadas, que só se revelavam para os que nelas acreditavam, Papai Noel era real e essa credibilidade fazia o Natal ser mais sincero e puro, e não essa data meramente comercial, economicamente lucrativa e triste. Viajar cantando na estrada era normal e isso trazia uma felicidade e emoção contagiante. Antes, brincar aguçava a criatividade de se criar histórias, estávamos mais perto da arte do que imaginávamos, se sujar de lama trazia alegria e uma conexão tão gostosa com a natureza. Arriscávamos lugares perigosos, porque éramos exploradores, e exploradores não temem surpresas. 

Hoje, crianças acham que brincar é estar parado em frente a uma tela, "brincam" em smartphones, mas eu sempre tive a sensação de que telefones inteligentes tiram a inteligência das pessoas, eles bloqueiam mentes, bloqueiam nossa capacidade de criar e refletir. Hoje em dia é comum vermos crianças com nojo de lama, medo de mato, presas em cidades sem o verde da natureza e cercadas e cegadas por tecnologias. Triste realidade...



Antes podíamos acreditar em unicórnios, em duendes, em bruxas ou em qualquer outra coisa que nossa imaginação permitisse. Podíamos nos divertir com tão pouco, porque a imaginação superava expectativas, podíamos transformar qualquer objeto em algo mais útil e interessante, tínhamos o costume de reutilizar materiais, fazer arte. E isso fazia a arte ser algo real e natural. Hoje em dia, poucos são os que ainda enxergam uma arte escondida em pequenos detalhes dessa vida louca. Será que essa transformação ainda levará à extinção de toda e qualquer forma de arte?

Arte é sinceridade. Não deixe a sinceridade morrer, não deixe a arte morrer. Um homem pode escrever um bom soneto de amor se ele estiver consumido pelo amor, ou consumido pela arte, mas tem de haver sinceridade, tem de haver alguma entrega. Um artista não economiza sentimentos, porque artistas são inteiros de alma e não temem sua transparência. Poetas podem arder por dentro sem pensar no que estão a escrever, ou podem arder por fora em forma de gotas que escorrem de suas pálpebras pensando naquele amor que tanto arde em seu peito. Mas tem de arder de alguma forma. De contrário, não conseguirão transcender a inferioridade humana, não conseguirão ser de fato aquele artista com a essência preservada, que sabe que as melhores coisas da vida não são coisas.



A arte deve ser sentida e interpretada com o coração, ela está em todo lugar, em cada cantinho, esperando por esse sentimento recíproco. A arte se encontra desde o brilho dos olhos de uma criança feliz até o desabrochar de uma flor, de uma estrela brilhante que quase parece estar próxima até constelações inimagináveis, de um desenho com graveto na areia da praia até uma linda pintura de Van Gogh, de uma canção à capela entre quatro paredes até melodias inteiras emitidas por um pássaro cor de arco irís. 

Arte é acreditar, arte é sinceridade, é sentimento, é entrega, é amor, é leveza, arte é sentir sua própria essência, é olhar o horizonte e saber que o céu não é o limite. Arte é pureza, é fluidez, é a inocência de uma criança, é criatividade, é cada detalhe da vida que a torna menos automatizada. É o escape mais belo desta sociedade tecnológica tão conturbada. Arte é toda verdade que releva de uma emoção, e a arte só existe porque a vida apenas não basta. 

26 de fev. de 2018

No céu das ideias



Pobre Luna... Pequena sonhadora, pequena lagarta esperando sua metamorfose, esperando ganhar asas e almejando sobrevoar um universo completamente desconhecido para ela. O que esperar de lá? Será que todo sofrimento que Luna sentia era a única coisa existente além das distantes montanhas que ela tanto sonhava ultrapassar? Como seria por trás das montanhas? Será que lá havia o tal do “mundo” que ela tanto ouvia falar em seus próprios pensamentos? Mas qual seria o tamanho exato do mundo? E o que é mundo exatamente? De nada sabia Luna...

Seus dias eram solitários, isolada em uma atmosfera inexistente de qualquer forma de vida. Ela não entendia porque só ela vivia, só ela estava ali abandonada, esquecida. A terra ao seu redor era tão infértil e apodrecida que nenhum alimento Luna era capaz de plantar. Todo o verde havia sido extinto e só lhe restavam cinzas de escuridão e memórias. Não existia nada além do horizonte tão inatingível e de um oxigênio contaminado que fazia doer seus pulmões. 

Como Luna ainda sobrevivia? Sua vida era baseada em sonhar, planejar fugas incoerentes em meio à tanto vazio e à sua eterna inconstância. Sua vida era usar galhos secos como entretenimento para escrever e desenhar na terra, ou transformá-los em pequenos guerreiros que buscavam salvar alguma possível vida, ou muitas vidas... Porque ela ainda tinha uma esperança engraçada. Ela explorava cada região que seus pés eram capazes de alcançar, procurando respostas e tentando achar algum caminho, alguma luz.


Mas Luna não fazia ideia do quão poderosa ela era, do quão iluminada, da força e energia que a nutriam de forma tão inexplicável e transcendental. Haveria de ter alguma razão maior. E depois de muito buscar por respostas sem sucesso e quase desistindo de lutar, Luna entendeu que não existem respostas escondidas atrás de árvores secas e flores murchas, em algum canto de um lugar qualquer. A pequena Luna entendeu que todas as respostas para suas aflições e tristezas estavam dentro dela própria, e apenas ela poderia acabar com isso. E nesse dia, uma luz brilhou no céu. Na verdade, muitas luzes. Luna nunca tinha visto algo assim em toda sua indefinida existência. 

E sua imaginação tão fértil quanto a infertilidade da terra a levou para a luz dos céus. Lá ela descobriu que a persistência e a esperança nos seguram e nos impedem de cair, da mesma forma que as estrelas parecem segurar a Lua. E lá ela descobriu o que é aquele tal de mundo que soava em suas ideias, mas na verdade existem muitos mundos por aí. Existem tantos mundos, que Luna se sentiu insignificante. Lá ela entendeu que tudo que conhecemos não é absolutamente nada comparado a tudo que realmente existe, e que tudo está muito além da nossa capacidade de percepção de dimensões. 

Mas lá ela também percebeu que o tudo não seria o tudo se não houvesse algum mínimo detalhe que o compõe. Os ingredientes do universo constroem o equilíbrio, cada coisinha com sua singularidade imperceptível dentro de um tumultuoso infinito... E tudo se interconecta com forças e energias, desde moléculas a galáxias, de elétrons ao desconhecido. No céu das ideias tudo tinha um porquê se ela apenas acreditasse em sua própria luz, e tudo existia de forma conjunta resultando em uma beleza infinitamente significante.

12 de fev. de 2018

Alma de Sereia



Tudo que ela queria era paz, calmaria, e nem imaginava o quão difícil isso seria. Dentro de seu coração, o mar a gritava agitado, buscando compreensão, buscando entender que caminho ela seguiria, buscando fuga entre montanhas rochosas e ondas nervosas. Mas este mesmo mar não é imutável e por muitas vezes ele sussurrava em seus ouvidos de forma calma, celeste, em águas límpidas, tentando a guiar com sabedoria; e adentro das profundezas de seu espírito ela era carregada como um sopro leve de maresia. 

A brisa de noroeste bagunçava seus cabelos e isso a acalmava. Durante a noite, enquanto a lua fazia a água brilhar intensamente, seus pensamentos eram levados para um mundo submerso onde nenhum ser humano nunca foi capaz de alcançar. Quando ondas fortes a derrubavam, ela se levantava com ainda mais expectativas, na esperança de sua alma ser lavada até o último átomo. Apesar de tudo, parte dela sabia que alguma hora tudo voltaria ao normal e a vida seria calmaria, seria sopro de juventude, bailarina que dança em liberdade nos descompassos das ondas.


Algo unge sobre os céus de tempos em tempos, o ar entra em conflito com a água, que entra em conflito com a terra, e desastres hão de acontecer. Mas de lá a natureza se recompõe, e ela sai do mar com um sorriso no rosto que só se fez possível depois de muitas lágrimas a derramar. Ela tem alma de sereia, agitada, porém serena; como brisa que embaralha seus cabelos e os realinha em leves flagelos. Sua calda cintila em perfeita harmonia com os raios de sol, a lembrando que apesar de existirem dias em que se faz necessário viver nas maiores profundezas e abismos dos oceanos, a luz existe. E ela sempre estará brilhando e dando energia para cada ser que neste mundo habita. 

O oceano é grande demais para não se perder, mas agora ela cresceu e desenvolveu uma técnica de sobrevivência. Sua ecolocalização extraordinária, também chamada de sabedoria ou percepção de vida. E agora ela entende o porquê dos bons e maus tempos, dos prazeres e desprazeres da vida. Ela entende que toda tempestade está em busca de paz, todo raio que estremece almas só quer mostrar sua beleza incompreendida, todo tropeço é seguido por uma conquista. Agora ela também entende que sua essência é muito profunda para ser explorada por esses que só sabem nadar na parte rasa. E o amor... Esse ela ainda está desvendando nas turbulências da vida.

Translúcida



Translúcida. Verdades transparentes, sinceridade reluzente. Imagine só o quão bonito deve ser, ser translúcida, ser liberta ao mundo sem ter receio em suas palavras. Mas será que existe alguém assim?

Houve tempos em que eu olhava meu reflexo no espelho e ele não passava de apenas um reflexo. Eu não sabia definir quem eu era. Crescer e aprender é um fato na vida, mas para quem já se sentiu tão perdida consigo mesma, atingir o estado translúcida é quase que espirrar de olhos abertos.

Eu vivo das minhas próprias contradições, sou instável emocionalmente e tropeço em paradigmas que eu mesma quero quebrar. Eu decepciono as pessoas que mais quero ver felizes, eu escrevo o que não consigo falar e às vezes eu não gosto de café, mas só às vezes. Eu já fiz escolhas erradas, já amei onde era para gostar, já chorei onde era para sorrir, já sofri onde era para ser feliz. É aquela coisa de ter um brilho nos olhos e me calar, é suspirar e não encontrar ar que traduza meus pensamentos, é ser mar e parecer rio, é parecer fria e queimar por dentro.

Acho que sou uma pessoa toda para dentro... Tenho o costume de entrar em uma toca lá no fundo da alma que é só minha. E nela não tem campainha, não tem grade, nem muro, nada, e eu não sei me proteger, entende? Eu não sei me proteger e talvez seja por isso que sou toda para dentro. Eu vou sentir demais e demonstrar de menos, eu vou ser inimiga da minha voz quando eu estiver desfrutando meus pensamentos. 

Eu não sei se existem pessoas translúcidas neste mundo, mas acredite, mesmo pensando  que talvez isso seja impossível, eu estou muito mais perto desse último estágio do que eu estava a 5 anos atrás. A gente vai evoluindo, a gente vai crescendo e as coisas começam a fazer mais sentido, a gente aprende a viver ou a sobreviver às vezes, a gente se dá conta de que se não mudarmos para melhor a vida não segue seu rumo. E ela deve seguir. Coisas devem fluir como o vento para que possamos amadurecer. E isso é o que mais importa, não é mesmo?


Às vezes, eu só queria deitar a cabeça sobre seu ombro e conversar sobre a vida, e te beijar, e ver o sol nascer, e ouvir os passarinhos cantando e dizendo que já amanheceu lá fora, e só ocupar minha cabeça com o que realmente importa. E sabe o que importa? O caminho que percorremos e as mudanças pessoais que conquistamos. Não apenas o que está nos esperando do outro lado da montanha, e sim o trajeto, a escalada! Não apenas o estado de espírito que ainda queremos conquistar um dia. E se ainda iremos conquistar, como saberemos?