24 de out. de 2018

Haux




Das loucas andanças que já vivi, uma delas sinto-me na obrigação de “tentar” contar, pois é, com certeza, uma daquelas histórias de experiências únicas na vida e inexplicáveis.

No caminho, conheci uma menina, dona de um sorriso doce e de uma humildade muito clara. Em certo momento de nossa conversa, ela disse que, após muitas meditações e trabalhos, ela finalmente havia encontrado seu animal de poder. “Um leão tímido”. Eu não sabia se acreditava ou se achava loucura, mas observando seus cabelos cacheados parcialmente escondidos por debaixo de um turbante verde água, aquilo não me pareceu tão surpreendente. Eu enxerguei esse leão que havia dentro dela de várias formas.

Em nosso destino haviam várias outras pessoas, dotadas de vidas muito diferentes e de jeitinhos singulares, mas de alguma forma, conectadas pelo interesse da busca e pela curiosidade.

Estávamos cercados pelo verde das árvores, deslizando nossos pés descalços sobre o solo alaranjado do cerrado, ao som de diferentes espécies de pássaros e insetos. E havia uma oca lindamente decorada com luminárias que me lembravam águas vivas e cangas com figuras do hinduísmo, como Ganesha e Krishna, e do cristianismo, como São Jorge e Jesus. Um desenho que me parecia um extraterrestre envolto a formatos geométricos e mandalas também me despertou a atenção, e toda a união daquela diversidade fazia tudo parecer ainda mais bonito e especial.

Energias tão boas pairavam ali, que eram capazes de me desacelerar, me fazer sentir o ambiente com mais naturalidade, sorrir de forma involuntária. As chamas que cresciam aos poucos na fogueira me hipnotizavam com suas danças, e enchiam aquela cúpula de cinzas, que caíam sobre nós como “o contrário da neve”. E ao fechar os olhos, eu permitia que minha audição e minha sensibilidade ficassem mais acordadas.

Aos poucos, a música ia se conectando a mim, a frequência da minha respiração, ao relaxamento dos meus músculos e a meus batimentos cardíacos, que bombeavam sangue e faziam a vida que há em mim se espalhar pelo meu corpo em seu ritmo próprio. E eu pensava na importância que a música teve e tem na minha vida.

De repente, aquele transe me levou a diversos caminhos mentais tão complexos que são difíceis de serem explicados. Era coisa demais acontecendo aparentemente rápido demais na minha cabeça, mas naquele momento eu conseguia processar tudo com muita clareza.
O som dos indiozinhos rindo, correndo em direção a um rio, o som da água, o som dos pássaros... Um arco e flecha estavam entre minhas mãos e, possivelmente, um roedor, mas eu sentia tanto a vida daquele animalzinho que eu era incapaz de tirá-la... Eu só era caçadora de sonhos e de esperanças.

Eu vivenciei cenas de momentos ruins também, que eu já havia vivenciado mais superficialmente antes, mas agora com uma maior compreensão e muito mais real. Não preciso falar sobre isso, mas posso dizer que foi forte e traumático. Eu chorava, me sentia fraca, não conseguia me mover, sentia dormência por todo o meu corpo e comecei a achar que eu não ia suportar. Mas alguém me dizia: “Auto controle, Gabriela! Força! Está tudo bem! É claro que você suporta, e você precisa ver isso”. E então, eu me entreguei por completo e me permiti viver com calma essa coisa estranha que me parecia uma morte consciente. Era como estar completamente aberta à morte sem medo algum.

Como era um turbilhão de coisas acontecendo rápido demais, é impossível lhe contar exatamente cada situação, cada detalhe. Até mesmo escrevendo um livro isso seria impossível.  Portanto, estou narrando partes que me foram mais memoráveis.

Em uma delas, que na verdade era formada de várias partes, eu percorria lugares e culturas muito distintas. Eu era pessoas diferentes em pequenos flashes de lugares diferentes. Eu pensava que durante toda a minha vida eu me sentia fraca por não me encaixar em certas realidades. Eu nunca me senti integrada a um mundo, seja a um grupo de pessoas, por exemplo, ou a um lugar, ou a uma religião. Sempre foi aquela sensação de “eu não pertenço aqui”, e então, isso me instiga a ir além, a fugir para outra realidade, “recomeçar”, buscar mais conhecimento em outras ideologias... E eu vi que isso me faz ser quem eu sou. Eu não preciso me encaixar em um único mundo, pois eu já estive em muitos mundos.

Eu pedi perdão por meus pecados e eu perdoei quem já me fez mal. Eu perdi o ego no momento em que pedi luz, não para mim, mas para o mundo, para cada pessoa. Eu passei a ver apenas o próximo, e não a mim mesma. E muitas pessoas das quais amo e me preocupo passaram por meus pensamentos em diversas cenas que se complementavam e faziam todo o sentido. E, de repente, tudo parecia ter uma razão maior, que normalmente acaba sendo camuflada quando nosso ego está presente no cotidiano. E eu entendi que o amor era a resposta para a maioria das minhas perguntas...

Eu senti o amor aceso em mim como eu nunca imaginei que fosse possível. Era como se eu o sentisse queimando no meu peito fisicamente, e também mentalmente e espiritualmente. Eu estava literalmente sentindo o amor, e ele se espalhava por mim, por cada pessoa ali presente, por todo aquele ambiente. Tudo era amor. E eu só queria ser capaz de espalhar esse amor por todo o mundo, porque o mundo está urgentemente precisado de amor.

A emoção deste momento lindo não parava de escorrer por meus olhos e, de repente, eu recebi um abraço e ouvi “eu te amo demais” da pessoa que eu amo demais. E eu gostaria de ter dito o mesmo ali naquele instante, e depois ter te abraçado mais forte, te dado o beijo mais profundo da minha vida, e esse seria o momento mais perfeito que já vivenciei. Ou de qualquer forma foi... Mas só o que consegui fazer foi te abraçar e chorar cada vez mais, afogando minha respiração em soluços.

Em certa parte da música que tocava falava-se de um beija flor, que repentinamente apareceu na minha frente como se sorrisse pra mim. E fiquei ainda mais emocionada, pois após a morte da minha bisavó, a figura do beija flor se fez muito presente em tudo que era ligado a ela. Então, era como se eu sentisse a presença dela e toda a luz que ela espalha por nossa família através daquele beija flor azul. Azul...

Azul me lembra mar. E mar me lembra amor incondicional. Ah esse amor ao mar... Eu via ondas enormes quebrando na minha frente e eu também sentia a calmaria da maresia. Extremos que existem em “amores incondicionais” e em tudo nessa vida. E então, eu pensava: “Eu sempre fui mar... Tão profunda quanto os oceanos”. Mas o universo também sempre me encantou e, de repente, aí estavam mais dois extremos. Eu também era a dúvida, as incertezas, a complexidade e as infinitas possibilidades que o universo é. Eu era tão profunda e eu era tão além. Eu era tudo e eu era o nada.

O que eu aqui escrevi é incomparável à imensidão de coisas que pensei, lembrei, senti, vi e ouvi neste ritual, mas por aqui eu termino meus pequenos relatos sobre o dia em que tomei ayahuasca pela primeira vez na minha vida. “Haux!”

12 de jul. de 2018

Mochileiro das Galáxias




“Um amigo me chamou para cuidar da dor dele. Guardei a minha no bolso, e fui.” – Clarice Lispector.

Hoje venho falar sobre um amigo em especial, uma pessoa incrível. Tudo começou quando eu, numa fase emocionalmente muito complicada da vida, me aventurei sozinha para explorar novos ares e conhecer novas pessoas. Aquele dia eu levava comigo uma mala preta e rosa cheia de medos e insegurança, mas cheia de sonhos e expectativas também. No momento em que entrei naquele ônibus eu sabia que aquele seria um novo início, de uma nova história, de uma nova eu. Seria a primeira letra maiúscula de uma história sobre desapego e corte de laços, sobre superação, sobre quebrar barreiras e enfrentar medos.

Eu também viajei por motivos de estudo e, com certeza, foi uma experiência única por ter me somado também em conhecimentos. Mas, na verdade, o crescimento espiritual que aquele lugar me deu e os amigos que fiz foram as coisas que mais me valeram. Eu cheguei com medo por não conhecer ninguém, medo de não conseguir socializar com as pessoas por ser muito tímida, medo de não gostarem de mim e eu acabar me isolando e me sentindo pior. Mas isso nunca aconteceu... Eu fui acolhida de uma forma inesquecível. Lá, eu me senti confortável como na minha própria casa, eu pude ter conversas profundas e conversas doidas. Lá, eu consegui sorrir com sinceridade pela primeira vez depois do acontecido que me abalou. Lá, eu vivi grandes – se não as maiores – aventuras da minha vida. Lá, conheci pessoas incríveis, cheias de histórias singulares e com energias tão maravilhosas. E uma dessas pessoas é o protagonista desse texto, meu amigo especial, “mochileiro das galáxias”.

Ele é um menino peculiar e, bom, eu sempre digo que minha palavra preferida nessa vida é “peculiaridade”, não só pela forma bonita que ela soa, mas também por sua essência. Então, é claro que me encanto por pessoas peculiares, como me encantei pelo mochileiro das galáxias, um serzinho tão peculiar e tão parecido comigo. Não demorou muito para nos tornarmos grandes amigos já que nossa loucura era bastante parecida. 

Sabe aquele tipo de amizade que você ama tanto que não consegue mais se ver sem? Aquela amizade de um cuidar do outro como irmãos, de estar sempre ali do lado a qualquer momento, bom ou ruim, a qualquer ocasião, dando conselhos e um ombro amigo? Aqui a frase da Clarice Lispector se enquadra muito bem. Ambos temos grandes dores causadas pela vida, mas ambos cuidamos da dor um do outro como se fosse nossa própria dor. Nunca nos abandonamos...

Sabe aquela amizade de um zuar o outro, fazer piadas, se xingar e se bater como crianças? Aquela amizade de sair para beber junto, tomar aquele porre, vomitar junto ou descrever nossos vômitos, e no dia seguinte comentar sobre como estamos deploráveis de ressaca? Aquela amizade de conversar sobre tudo e sobre nada, todos os dias, de mandar os melhores memes e compartilhar as brisas mais fantásticas e criativas possíveis? Aquela amizade que a gente não tem medo de ser esquisita porque seu amigo também é esquisito e as esquisitices sempre acabam em risada? Aquela amizade de cozinhar e fazer chá, e falar sobre como estamos envelhecendo percebendo esse “rolê de véia”? (Aqui adiciono uma observação: Eu cozinhava, pois ele é o pior cozinheiro da Terra) Sabe aquela amizade de dançar música medieval na chuva, de criar nome para uma nova espécie de animal vista por nossos olhos um tiquinho cegos e de uivar pra Lua? Esse era nosso tipo de amizade – a mais linda e verdadeira.

Chamo meu amigo de “mochileiro das galáxias” por muitos motivos. Ele é a pessoa que estranhamente começou a estudar com uns 13 anos de idade temas como física quântica, nebulosas, surgimento do universo, teoria da relatividade e buraco negro. Ele também ama o universo, como eu. Ele entende das teorias e da física, eu entendo de astrologia e juntos compartilhamos os melhores pensamentos sobre o universo. Assim como eu, ele também pensa que somos poeirinhas insignificantes flutuando no meio de um vasto infinito. Ou que somos parte de um jogo de vídeo game, controlados por algo maior. Ou que a Terra pode ser um ser vivo que carrega seres dentro de si -, que somos nós – assim como carregamos bactérias. Ou ainda, que o “ser vivo principal” pode ser algo muito além da Terra, a Terra pode ser a “bactéria” simbionte, e então, o que somos nós? Espécies de organelas? Moléculas orgânicas? O quão pequenos somos? Qual a razão para existirmos?

E se houvessem duas Luas na Terra? A gravidade seria diferente? As ondas do mar seriam mais revoltas? A maré mudaria a cada segundo? O mar teria o mesmo formato? Seria possível desregular a gravidade e a gente sair flutuando por aí? Poderíamos ser como balões presos em âncoras? Ou a gravidade seria tão mais forte que a gente nem ao menos conseguiria levantar nossos pés? E se assim fosse, todos os seres vivos existentes na Terra seriam sésseis e autótrofos? Tivemos muitos questionamentos vindos de mentes peculiares...

Uma outra razão engraçada para o chamar de mochileiro das galáxias tem a ver com ET. Ele morre de medo de ET e de ser abduzido. E eu jurei para mim mesma que um dia eu ainda iria me vestir de ET e tocar a campainha da casa dele. Talvez eu morreria, porque ele tem uma coleção de facas ninja. Mas eu nunca cheguei a conseguir colocar esse plano em prática. Por outro lado, eu tenho uma certa curiosidade, fascínio e vontade de ser abduzida. Na verdade, também já criamos muitas teorias sobre abdução. Talvez eu já tenha sido abduzida em momentos de paralisia do sono... Enquanto meu corpo estava congelado na cama e vulnerável, poderiam ter me levado para estudo, me devolvido e apagado essas memórias. Nesse dia, eu recebi o apelido "jovem astronauta". 

Um outro dia fomos picados por insetos em formato de triângulo no meio do nada, e daí surgiu mais uma teoria de que essa é a marcação dos ETs para pessoas que um dia ainda serão abduzidas. Ou os pernilongos poderiam ser mini robôs alienígenas, que só servem para coletar nosso sangue para estudo. Depois disso, passamos dias e dias falando sobre ETs e tendo medo de dormir todas as noites.

Meu amigo era misterioso como o universo. É fato que nós, seres humanos, sempre estamos buscando por respostas para satisfazer nossas eternas dúvidas. Mas existem certas dúvidas nas quais jamais teremos respostas, e aí criamos os mitos, as teorias... Por pura necessidade de entendimento. E assim como as teorias para o surgimento do universo, por exemplo, talvez eu também me questionava em busca de respostas que explicassem quem é meu amigo e o que se passava por sua cabecinha complicada. 

Ele era misterioso, cuidadoso, seu olhar demonstrava o quanto ele escondia segredos e o quanto tinha medo desses segredos virem à tona. Mesmo no nosso nível de amizade, ele temia abrir seu coração para mim. Ele era sensível, mas sempre carregou as mais pesadas armaduras. Ele claramente possuía muitas dores psicológicas, e as camuflava com dores físicas. Ele me cedeu um espacinho em seu coração e me ensinou a verdadeira definição para a palavra “amizade”. Mas o universo sempre foi louco... E as coisas acontecem rápido demais nessa vida. De um dia para o outro tudo pode mudar, como mudou... E então, meu amigo pegou sua mochila com uma toalha, oxigênio e objetos imprescindíveis para uma viagem interestelar, e se foi...

Na última vez que o vi, ele me deu um livro de presente como despedida. E eu como sempre sou ingênua nem ao menos percebi que aquilo era uma despedida. Eu nem pude lhe dar um último abraço e dizer o quanto ele foi e é especial para mim, e o quanto ele mudou minha vida. E adivinhe só que livro ele me deu? “O guia do mochileiro das galáxias”. Mais característico e peculiar impossível.  

Acho que agora, a única coisa que eu gostaria de dizer a ele é que lhe sou eternamente grata. A gente nunca sabe o dia de amanhã, a gente nunca sabe quando perderemos alguém especial e quando esses dias chegam, eles deixam um vazio gigante. Mas eu sempre quis o melhor para ele, e se o isolamento o fizer feliz, eu estarei feliz por ele. E eu irei preencher esse vazio com as melhores memórias que tenho de nós dois, e jamais me esquecerei de cada detalhe. Porque amizade assim é rara... Eu nem sei se ainda o verei de novo algum dia nessa vida e só de pensar nisso eu sinto um nó gigante. Mas eu tenho um universo morando dentro de mim, e no meu universo ele sempre estará presente onde quer que ele esteja.



29 de mai. de 2018

Uma tentativa de texto sobre amor - ou sobre você...




Eu gostaria de saber falar sobre o amor, mas o amor é amplo demais para ser descrito em míseras palavras. O amor deve ser sentido e não descrito, porque às vezes não há de existir definições exatas para certas palavras, e esta é uma dessas palavras. Eu não queria que achasse ruim quando estivermos juntinhos em silêncio, se questionando sobre o que estou pensando. Porque muitas vezes eu não estarei mesmo pensando. Eu estarei te sentindo, apenas, e estarei tão bem... Às vezes, o silêncio nos leva à percepção de outros sentidos.

E eu sei que tudo aconteceu rápido demais. Talvez eu não deveria estar aqui numa sexta a noite sentada em meu sofá, sentindo o vento entrar pela janela, olhando o céu, almejando alcançar estrelas, pensando na vida, sentindo o cheiro do meu insenso queimando e escrevendo esse texto sobre amor, ou sobre você. Porque tudo realmente aconteceu rápido demais e eu posso estar sendo precipitada no que eu acho que sinto ou no que de fato sinto, eu sei.

Eu sei que isso tem muito mais chances de dar errado do que certo, porque há grandes obstáculos entre a gente e a vida é tão incerta. Eu sei que nossas vidas são diferentes e que convivemos juntos por muito pouco tempo... Eu sei que há a possibilidade de eu não ser a única na sua vida, porque estamos tão longe, e nunca saberemos de fato o que cada um está fazendo. E sei que eu não posso cobrar nada... Não posso cobrar a lealdade e fidelidade que eu acabo tendo por amor, pois somos diferentes. Eu sei que sou boba, eu sei que sou intensa, eu sei que talvez eu não deveria ser assim, mas apenas sou assim. Eu sei que nunca saberemos quando vamos nos ver de novo e que toda vez que nos despedirmos pode ser a última vez, e isso me dá um aperto tão grande no coração. Eu sei que dói, o amor dói. Eu sei que sempre tive medo do amor. Sei que sempre amei demais e também sei que, na verdade,  eu ainda não sei amar. E eu sei que pode parecer estranho, mas apesar de todas essas certezas, eu também sei que estou completamente apaixonada por você.

O amor é uma coisa engraçada e talvez não haja como definí-lo por sua tamanha contrariedade. Sempre pensei que amor é um sentimento construído com o tempo, que vai se preenchendo aos poucos enquanto vamos vivendo e convivendo, aprendendo e conhecendo. Mas aí a vida vem e dá um nó na gente... Ela embaralha todas as possíveis certezas que temos e mostra que o amor pode surgir de qualquer maneira. Ele pode surgir do inesperado, do acaso, em alguma esquina da vida, num canto qualquer, numa mesa de bar, no meio de uma conversa perdida, e ele pode nascer e crescer muito mais rápido do que eu imaginava.

Não que agora eu acredite em amor à primeira vista, mas talvez eu desacredite um pouco menos. Porque a única coisa que aconteceu entre a gente naquele pequeno instante foi um olhar; um olhar que mudou minha vida do nada, um olhar que me fez sentir algo diferente e que eu nem sei explicar, mas sei que senti. E como senti... Na verdade, eu sempre sinto coisas. Podem me achar louca, eu não ligo, mas eu sinto a energia das pessoas, dos ambientes... E a sua energia, meu bem... Não tinha como ignorar. Imagine uma sensação de algo completamente desconhecido e indefinido, e ao mesmo tempo tão familiar e intrigante. Aquela noite embaralhou todas as minhas possíveis certezas e sentimentos camuflados.

É estranho para mim também, pois eu sempre tive muitos medos. Eu tive amores errados, excesso de sofrimentos desnecessários. Eu nunca fui boa nessa coisa de demonstrar sentimentos, de fato, sempre tive esse bloqueio e nem sei direito o porquê. Sei que são coisas demais... Só que talvez pela primeira vez na vida, eu não esteja sentindo tanto medo. Eu só senti vontade. Eu quis me entregar, eu quis ser eu mesma, essa garotinha doida cheia de sentimentos e emoções. Eu quis viver isso intensamente sem me preocupar tanto, sem medo... Porque eu não tinha nada a perder. E ainda estou a querer isso e estou aproveitando o quanto posso, porque nunca sabemos o dia de amanhã. Principalmente quando temos mais de 700km nos separando.

Talvez eu só tenha medo de sofrer, porque tenho a mania de sofrer. Mas por outro lado, acho que já passei por tanta coisa que me abalou que fui ficando mais forte, mais destemida. Sofrer todo mundo sofre, porque a vida é assim... Mas eu não posso mais ter medo de me apaixonar e de ser quem eu sou, entende? Não terei medo de me jogar de cabeça nisso que estou sentindo e no que estamos vivendo, porque quero viver isso, quero me permitir sentir esse amor louco, porque o amor é lindo! E porque todo mundo precisa de amor...

Eu estou vivendo um dia de cada vez e dando tempo ao tempo. É claro que minha imaginação de menininha ingênua e apaixonada acaba criando expectativas, sonhando demais acordada com um final feliz; eu sempre fui assim e talvez seja um grande erro. Mas é isso, um dia de cada vez... Talvez eu não precise me limitar a finais, felizes ou tristes, porque estamos num movimento constante. Inclusive, sou incapaz de dar um final a este texto, porque é uma história que ainda estou vivendo. Então o finalizo sem um fim pra que tudo continue como deve continuar, com simples e breves 3 pontinhos...



25 de mai. de 2018

Tempo




Tempo. Compositor de destinos. Eu não sei bem se acredito em destino, mas também duvido da coincidência. Pessoas aparecem em nossas vidas tão de repente... Algumas permanecem para sempre, outras passam nos esbarrando e do nada já se foram, e outras passam um tempo do nosso lado, nos ensinando, aprendendo, convivendo, criando laços, nos proporcionando momentos inesquecíveis, e de repente se vão, deixando um rastro de saudade imensurável. Mas cada uma dessas pessoas planta um diferencial em nosso ser, cada uma traz um conhecimento, um objetivo, alguma forma de mudança. Às vezes, eu me pego pensando em tantas pessoas e então, sinto isso gritando em mim, eu sinto isso tudo forte demais. E por isso digo do fundo da minha alma que não acredito em coincidências.

Tempo. Talvez o tempo ainda me mate. De saudade, de vazio, de nostalgia, de solidão, de pausas e pressas, de lembrar de outros tempos em que gargalhei com a minha alma, em que senti meu coração palpitando de nervoso, felicidade, curiosidade, mistério. Sinto falta daquela inocência de arrancar as gramas do chão só para sentir o cheiro de natureza em meus dedos. Aquele cheirinho também me lembrava do cheiro da chuva, que eu e minha vó tanto adorávamos sentir sentadas naquelas cadeirinhas na varanda de casa, assistindo o céu lavar a terra.  Eu não sinto mais este cheiro em meus dedos... E não só cheiros, mas muita coisa. Eu não posso reviver o que já passou, não posso mudar ações passadas que hoje me arrependo, não posso apagar situações ruins do passado pra ser melhor hoje e no futuro, não posso assistir a um filme com cenas emocionantes sobre as coisas boas que já aconteceram na minha vida e que tanto sinto falta. Eu sinto tanto, eu sinto muito...

Ah, tempo... Você é estranho e louco por conseguir ser tão cruel e ao mesmo tempo tão bom. Você machuca, você dificulta tantas coisas, embaralha sentimentos, você passa devagar demais quando estamos tristes e rápido demais em momentos incríveis. Mas eu também sei o quanto você tem me ensinado nessa vida e o quanto você me faz crescer a cada dia que passa, e por isso lhe sou grata.  Você é capaz de nos trazer tantas diferentes e maravilhosas experiências que nos fazem ver a vida de outra forma... E então, unindo cada preciosa experiência podemos ver a vida em infinitos ângulos. Não apenas 360, porque vida vai além e porque o tempo nunca acaba.

Dizem que o tempo é relativo. Talvez existam tempos demais ao mesmo tempo, tempos diferentes em universos diferentes e realidades paralelas que se conectam. Acho que eu gosto muito de falar sobre o tempo, porque o tempo traz muita reflexão à tona, boas e ruins. Mas talvez eu nem saiba falar sobre o tempo de fato, porque de tempos em tempos eu penso que o tempo não existe. Ás vezes sinto que o tempo é uma construção humana pra nos fixar e nos encaixar melhor no mundo, e então, percebo que enquanto falo sobre o tempo, eu falo sobre o nada, falo sobre o vácuo.

Mas o vácuo é muito presente em nossas vidas a cada suspiro de solidão e angústia. O vácuo é muito mais concreto do que imaginamos... Eu acabo tendo pressas e almejo um futuro repleto de sorrisos e realizações de meus sonhos presentes, porque preciso me agarrar a certas esperanças pra conseguir ir em frente. Eu sei que sou cheia de contradições, ambiguidades e bipolaridades o tempo inteiro, perdão por isso. Mas acredito sim que tudo tem dois lados, e enquanto o tempo passa talvez eu nunca terei respostas, eu nunca saberei se o tempo existe ou não. Acho que vivo numa relação de amor e ódio com o tempo. Ao mesmo tempo que desacredito do tempo e o temo, eu acredito tanto... E o amo, o admiro, o desejo, vejo sua importância nesse mundo cheio de falta de tempo.

Tempo... Tu és um dos Deuses mais lindos, e oro por ti para que cada angústia que você me traz se transforme em felicidade um dia. Que tudo tenha um porquê, que tudo sirva como acúmulo de aprendizado. Que o vento frio dessa noite que estremesse meu ser e o despedaça em pequenos flocos de neve, volte... Que ele volte com mais força, mais quente e com mais intensidade que um furacão. E que esse tempo de ventanias impetuosas me faça mais forte e mais forte e mais forte a cada dia.

Eu sei que não tenho estado muito bem, e se tudo ficará bem um dia, eu não sei, eu não faço ideia de tanta coisa. Isso só o tempo irá dizer. Só ele me levará ao meu destino, se destino realmente existir. Um dia alguém me disse que nosso destino a gente é quem faz com base em nossas ações e escolhas de agora. Acredito... Mas não estou sozinha nesse mundo, nem tudo depende de mim. Eu jamais terei o poder de mudar o mundo só porque quero que ele seja diferente e porque quero construir bons destinos. Eu não tenho o poder do tempo... 

Às vezes, minhas loucuras tiram tudo que tenho e quebram tudo que sou como se eu fosse feita de vidro. Tristezas momentâneas me rasgam de dentro para fora e me jogam no meio de um deserto obscuro onde enlouqueço por não achar saídas. Às vezes eu me sinto tão pequena, tão vazia, tão perdida, tão insignificante nesse mundo... Eu sempre fui cheia de dúvidas e incertezas, e isso sempre me enlouqueceu. Eu continuo tropeçando e caindo, me ferindo talvez sem nenhum motivo aparente. Nem eu mesma sei explicar, eu não sei me definir... Num momento estou bem ou acho que estou bem, e em um segundo desse tempo louco tudo muda, eu mudo e minha cabeça acaba comigo. Eu sempre busquei ser forte, mas ninguém é forte sempre. A vida é feita de momentos, e momentos fazem o tempo ser real.

Meus pés podem estar cansados de correr por aí, meus joelhos ralados de tanto engatinhar nessas estradas da vida e minha cabeça parece doer cada vez mais numa enxaqueca sem fim enquanto o tempo passa. Mas eu pretendo continuar me levantando após cada queda,  lutando com todas as forças que ainda guardo no peito e construindo novos sonhos como forma de motivação, porque eu sempre fui feita de esperança. As coisas vão melhorar, vão mudar uma hora ou outra, porque mudanças são necessárias e fazem parte da evolução. 

Talvez demore um tempo. Sempre o tempo... Mas eu tenho fé, eu acredito, e talvez só assim eu consiga chegar no meu destino tendo feito meu tempo nessa vida valer a pena. E como quero fazer ele valer a pena... Porque uma hora a gente percebe que o tempo é muito curto, o tempo voa. Precisamos viver de verdade e parar de sobreviver... Eu preciso me agarrar às simplicidades que tanto me contagiam, porque grandes eventos podem vir de circunstâncias modestas. Eu preciso dar tempo ao tempo e me dar um tempo. Preciso de um tempo pra mim às vezes, mas também preciso de companhia, porque do que vale o tempo só? O mundo inteiro precisa de coisas demais. O mundo precisa de paz, de amor, de bondade, de tempo... Contribuições para tempos melhores.

E você? Você acredita no tempo? Você acha que está aproveitando seu tempo nesse mundo? Você está fazendo seu tempo valer a pena?

22 de abr. de 2018

Ansiedade




A algum tempo eu venho tendo vontade de escrever sobre ansiedade... Talvez para tentar tirar de mim por um momento angústias que a ansiedade me traz, talvez para tentar explicar que ansiedade vai muito além do que as pessoas pensam.

Ansiedade não é querer que algo aconteça logo, não é estar aflita para um tal dia chegar, ansiedade não é ter pressa. Ansiedade não é “frescura”, não é “drama”. A ansiedade está longe de ser isso...

Ansiedade é você às vezes não conseguir controlar seus próprios pensamentos, é você sentir vontade de chorar sem nenhum motivo aparente ou por um motivo tão besta... E você sabe que é besta, mas você simplesmente não consegue suportar. Porque você é frágil... Ansiedade é fragilidade. É insegurança, é preocupação excessiva, é tudo em excesso, é medo, é nervosismo, é sensibilidade, é instabilidade.

Ansiedade é você esperar muito por uma mensagem, por exemplo, e às vezes se decepcionar com uma resposta que você não esperava, com uma demora ou com um silêncio. E é você criar teorias que expliquem esse silêncio, mas suas teorias são sempre negativas. E você acredita nelas mesmo que você também tenha um lado que diz que isso é absurdo. Ansiedade é esperar demais. Ansiedade é se entristecer com seus próprios pensamentos mirabolantes e nada concretos.

Ansiedade é, talvez, ter pequenos TOCs, que mesmo sendo pequenos, você sabe que estão ali e que são reflexos de um psicológico conturbado. E pensar sobre isso também te deixa conturbado, porque são ações imperceptíveis e chatas, que você gostaria de dar uma basta, mas as manias não saem de você, e elas te perseguem, elas te consomem...

Ansiedade é você às vezes querer sair, ver amigos, se divertir, mas muitas vezes não conseguir. É você se sentir incapaz de socializar, de encarar a realidade, é sentir que o mundo é demais pra sua mente. É você não ter vontade de ver o dia, de se comunicar com pessoas, é você acabar se fechando para o mundo sem querer. Mas bem lá no fundo você quer o mundo inteirinho pra você. Ansiedade é ter medos irracionais, é achar que sozinha você estará melhor e mais protegida, mas na verdade você é o seu maior inimigo.

Ansiedade é você sentir seu coração acelerar em situações de pressão ou até mesmo em momentos aleatórios. É você sentir sua mão suando, tremendo, é te faltar ar nos pulmões às vezes. É tudo isso de uma vez só. E aí você chora incontrolavelmente como forma de descarregar essas sensações. É sentir dor muscular sem ter uma explicação pra isso. É sentir um cansaço físico e mental que te levam a preferir sua cama, te levam a procrastinação...

E você não pode procrastinar, porque você tem uma vida. Você tem responsabilidades, deveres, você tem um trabalho e um mundo que te cobra incansavelmente. Ansiedade é, talvez, você saber disso e acabar se preocupando exacerbadamente, porque você não consegue estar apta o tempo todo. Você não deixa de fazer coisas que devem ser feitas, porque você é perfeccionista e tem medo de errar. Mas antes você surta e se sente culpada por trocar responsabilidades por lazer. Ansiedade é você ter vontade de largar tudo e fugir por aí sem rumo, sumir nas estradas.

Ansiedade é ter dificuldade em lidar com relacionamentos, porque estamos sempre inclinados a achar que as pessoas vão embora. E elas vão mesmo, mas quem é ansioso sofre muito e a gente não gosta de sofrer. Ser deixado dói, ser esquecido dói, não ser correspondido dói, o fim de um amor dói. A gente sempre sofre demais e muitas vezes por pessoas que não merecem nossas lágrimas. Ansiedade é você morrer de medo de relacionamentos, porque você sabe bem o estado que seu coração ficará caso houver um fim. E nisso, a ansiedade te faz travar e parecer fria. Ansiedade é a dificuldade em demonstrar sentimentos. Não por falta deles, jamais. Mas por, puramente, medo.

Mas ao mesmo tempo, é você sonhar com isso, é querer amar e ser amada, querer viver um amor de cinema. É essa vontade de “ter alguém” para talvez fechar esse buraco que é a solidão. É uma vontade louca de compartilhar todo amor que tenho em mim e me jogar de cabeça. E ansiedade é ser ingênua ao ponto de criar histórias de amor alguns dias antes de dormir... Histórias que nunca vão acontecer e a gente continua alimentando expectativas.

Ansiedade é ficar girando de um lado pro outro na cama sem achar posição, vendo a hora passar e o sono não chegar. É passar madrugadas acordada, cansada e querendo dormir, mas sua mente simplesmente não desliga. E aí amanhece, você precisa levantar, mas sua vontade é de dormir para sempre, porque é sempre muito difícil tomar coragem de enfrentar um novo dia.

Ansiedade é você precisar de distrações o tempo inteiro, porque você sabe que se ficar parada sua mente vai começar a se mexer e ela pode te levar a caminhos e lugares que você não quer ir. A ansiedade te faz ter hobbies que servem de escape... E sabe uma coisa que me deixa triste, às vezes?

Muita gente me elogia por meus “dons” artísticos. Eu gosto de escrever, desenhar, cantar, tocar violão, tirar fotos, fazer artesanatos, fazer arte. E são sim coisas que amo fazer do fundo da minha alma e jamais viveria sem. Mas poucos sabem que essas são coisas que aprendi a fazer buscando um socorro. Talvez a arte tenha sido o melhor remédio para minha depressão, e ainda é a melhor distração para minha ansiedade. Sem arte eu não estaria aqui, e eu não seria eu.

Mas eu tô cansada de elogios, sabe. Eu não quero ouvir que sou boa nisso ou naquilo... Essa sou apenas eu, o eterno caos artístico, a pessoa perdida que precisa descontar a ansiedade de alguma forma. E todo mundo tem seus diferentes e infinitos dons e nada disso me torna especial. Ao invés de elogios, eu queria um abraço, um ombro amigo, eu queria compreensão... Queria que me enxergassem como sou, e não pelo que eu faço. E queria que entendessem que isso é ansiedade.

24 de mar. de 2018

Você acredita no poder da meditação?




Eu imaginava uma luz branca acima da minha cabeça. Uma luz muito forte, uma luz de paz, de calma, de purificação, de renovação. Essa luz entrou em mim. Pela minha cabeça, meu pescoço... Ela percorria cada cantinho do meu corpo, enquanto tudo que havia de ruim se acumulava como uma nuvem negra no meio do meu estômago. E eu sentia enjoo. Mas a luz se espalhava cada vez mais, ela tomou conta do meu peito e fez meu coração se iluminar, fez meus pulmões se abrirem em uma inspiração profunda e cheia de luz. Eu sentia a luz penetrar em todas as minhas incontáveis células. E eu enxergava claramente a luz penetrando nas membranas plasmáticas das células, mas mantendo-as inteiras, íntegras, brilhantes. Cada organela se iluminava como pequenas estrelas e minhas células viravam o céu. Diferentes céus de diferentes pequenos mundos, que unidos formavam o universo gigante que há dentro de mim.

Aquela luz ia empurrando a nuvem negra de negatividade e tristezas cada vez mais para baixo... Ela passava por minhas pernas, joelho, calcanhar, até sair por meus pés por completa e adentrar nas profundezas da Terra. E então, eu inteirinha era a luz. Eu brilhava, sorria, levitava, me sentia energia, e não humana. Me sentia nadando na luz da Lua, cada reflexo batendo em mim nos mais perfeitos ângulos, minha mente girando feito um Fibonacci. Acho que eu não estava sob total controle da minha mente, mas eu estava calma, leve, talvez hipnotizada e só me deixei levar, porque talvez eu também precisasse de respostas...

Talvez aquela música foi o que, de fato, me hipnotizou. Mesmo eu sendo luz, a luz tinha um som, o som sempre esteve presente e parecia vim de dentro de mim também, numa frequência gostosa e profunda, que me carregou para outro plano. O som dos tambores parecia sincronizado com os batimentos do meu coração. A flauta amolecia meus músculos e me desligava. O chocalho me trazia memórias que, na verdade, eu nunca vivi. O som dos pássaros, das árvores, do vento, de um lugar desconhecido, mas estranhamente tão conhecido. Eu sentia o som de cada instrumento se conectando, cada detalhe, cada acorde em perfeita harmonia, cada voz que às vezes surgia e eu não compreendia o que diziam, mas diziam tanto... Eu sentia que me chamavam, que me conheciam. E eu sentia tanta nostalgia, tanta saudade, tanto sentimento guardado em um peito que nem era meu...

E em um certo momento eu esqueci daquela luz, porque eu havia me transportado para um corpo leve e dançante, que só se importava com aquela música, aquele mantra tão lindo... Meu corpo não era meu corpo atual, mas eu sentia com naturalidade cada movimento de cada músculo que se balançava naquele ritmo tão contagiante. Eu levantava os braços em direção à Lua, balançava meu quadril em círculos como se eu estivesse com um bambolê imaginário, sentia meus pés descalços e calejados pisando em pequenos galhos e folhas, e produzindo um som a mais naquela orquestra espiritual. Me balançava talvez da forma que o vento me balançava, porque eu também o sentia em minha pele, em harmonia, em um abraço.

Eu sentia o calor da fogueira que queimava no meio daquela celebração e, então, tudo tomou forma melhor. Eu era índia? Éramos uma tribo? O que estávamos celebrando? Por que eu dançava? Por que tocavam aquela música tão hipnotizante? Cenas começaram a surgir na minha frente como flashes de memórias, mas não eram memórias minhas, eu não era eu. Eu corria pela floresta como se estivesse fugindo de algo ou alguém, eu estava em pânico. Mas eu também corria alegre,sorrindo, observando aquela natureza tão linda, agradecendo por viver naquele lugar. Eu tomava banho de rio, brincando com as crianças, fazendo guerra de água. E eu me via presa, as mãos amarradas, pés, jogada em um canto gritando sem saber para quem. Eu cantava e dançava em noites iluminadas pela fogueira e pela Lua, porque aquilo me fazia bem, e talvez eu precisasse dar valor à momentos em que eu podia me sentir bem...

Eu tinha um arco e flecha, mas eu não caçava animais. Eu queria ser caçadora de sonhos e esperanças. Eu sentia o cheiro de sândalo se misturando com o cheirinho de terra molhada, meus cheiros preferidos. Mas eles foram trocados pelo cheiro de queimado, que vinha do fogo que queimava tão perto de mim. Enquanto isso, um homem me enforcava, ele estava em cima de mim e eu não conseguia me mover, nem gritar, eu não podia fazer nada... Sentia as lágrimas escorrendo por meu rosto como um escape, como explodir, como pedir socorro tão inutilmente. E então, eu me via abraçando uma árvore enorme. E as lágrimas se tornavam mais leves, porque eu tinha fé na força da natureza e, em particular, naquela árvore. Eu conversava com ela, rezando, com lágrimas de emoção que molhavam seu tronco e proporcionavam uma troca de energia tão intensa...

E aquelas cenas se tornavam reais demais pra minha capacidade de entendimento. Mas tudo também se tornava mais claro, porque parecia ter um um “porquê” e porque tudo era familiar demais. E de repente, aquela árvore se tornou outra árvore... O pé de amora que havia atrás da minha casa quando eu era criança. E então, eu não era mais índia. Eu era eu mesma, anos atrás, eu havia voltado à minha infância. Minha mente de Fibonacci girou e percorreu cada detalhe de cada canto daquele lugar tão especial pra mim, porque eu queria me lembrar mais dele. E as cenas voltaram a surgir na minha frente, mas dessa vez eram cenas que de fato vivi...

Eu estava no início das escadas daquela igreja, subindo devagar, vendo as ondas quebrarem nas pedras. As escadas se transformaram em grama e, de repente, eu estava naquele jardim lindo no qual sonhei uma vez, no dia em que minha bisavó faleceu. E o Sol brilhava tão perto de mim, que ofuscava minha visão e eu tinha que apertar os olhos. E então, o Sol estava em Minas, eu estava na cidade dos meus avós, e eu estava presa entre um arbusto e meu primo, que me segurava à força e tirava minha roupa...

O medo que eu sentia e a incapacidade de agir eram proporcionais aos daquela outra cena em que me seguravam no banco da capela do colégio mandando um “demônio” sair de mim. Ou como quando riam de mim, zombavam de mim e aquelas vozes ecoavam na minha cabeça sem parar. E as vozes se transformavam na minha própria voz dizendo que não posso perder as esperanças e que sempre há uma luz no fim do túnel. Esse foi o tema de um dos meus textos, que me fez ganhar o primeiro concurso de redação da minha vida, e que me motivou a escrever como fuga.

 E de repente, eu estava nadando, mergulhando naquelas ondas maravilhosas e cheias de energia. Eu sentia a liberdade no mar. E então, a liberdade se transformava em prisão. Uma prisão dentro de casa, fisicamente entre paredes tão fechadas e verbalmente, porque não havia liberdade de comunicação. Uma prisão no colégio, naquele banheiro que me trancaram, em cada momento que fui assediada e não soube agir... Isso levou à prisão do meu psicológico, da minha capacidade de raciocinar, de me entregar à vida e viver sem lembrar do passado. Eu era prisioneira dos meus traumas. Eu era prisioneira dos meus próprios pensamentos embaralhados em realidades distintas.

E tudo estranhamente parecia se encaixar. Realidades distintas... Talvez tudo realmente era real. Talvez já fui índia com traumas muito parecidos com meus traumas da vida atual. Talvez isso explique essa situação louca que vivenciei conectada a um mantra xamânico. Talvez minha busca por respostas num espaço xamânico tenha tido uma razão que até então, eu nem sabia. Talvez tudo seja carma e eu precise superar traumas e corrigir erros. Talvez tudo seja muito mais óbvio do que imaginamos e muito mais profundo do que acreditamos.

Talvez todas as nossas vidas estejam interligadas com cenas e emoções similares, que se conectam através do pensamento, da alma,da espiritualidade. E então somos redes de corpos diferentes, mas de um mesmo espírito. De vidas diferentes, mas de certa forma, uma mesma vida, que se renova e deve continuar com um outro objetivo, em outro lugar. E o conjunto dessas redes, ou o conjunto dessas vidas, é a minha vida. Sou eu, apenas. É o meu universo que brilha, e meu brilho é a minha luz no fim do túnel.

E essas redes são proporcionais às conexões de minhas células. Aquelas células iluminadas como o céu e que, unidas, formam o meu universo. E tudo começa a voltar... As estrelas, minhas organelas, minhas células, meus órgãos, membros, eu cheia de luz, a luz acima da minha cabeça, eu elevo minha cabeça como que em busca da luz, porque não quero que ela se afaste de mim. E então, eu voltei ao meu corpo e ao meu estado natural após uma longa e profunda meditação.

Eu chorava e nem havia sentido que estava chorando, mas eu chorava muito. Eu nem sabia que era possível chorar meditando e só perceber isso após a meditação. Eu não sabia o que sentir. Não sabia se sentia medo ou alívio, não sabia se me emocionava com o que presenciei ou se sentia o nervosismo. Mas talvez isso tenha me ajudado a colocar certos pensamentos em ordem. Talvez isso tenha me ajudado a tirar pesos de mim, a me dar uma força superando traumas, lidando de forma mais natural com problemas... Eu não sabia se eu deveria considerar isso real ou um sonho. Não sabia se havia dormido meditando ou se minha mente realmente viajou para tão longe daqui e tão perto de respostas quase que indecifráveis. Talvez eu até já saiba demais, mas na verdade, isso me leva a não saber de absolutamente nada.

10 de mar. de 2018

Uma montanha russa




Às vezes, minha existência judia da minha capacidade de raciocinar. Penso sem parar em trocentos mundos anti paralelos, curvos, com voltas e voltas; e construo uma montanha russa imaginária. Mas ela é tão complexa que embaralha meu raciocínio, me desespera, ataca meu coração, a ansiedade e a adrenalina me dão um tapa na cara, eu me desprendo do cinto de segurança e desabo em uma das curvas da minha montanha russa. Eu desabo no precipício do meu próprio ser e ouço meu próprio grito estridente, mas não com meus ouvidos. Ouço minha voz ecoando dentro da minha cabeça, e a consequência escorre por meus olhos.

Eu tenho medo de pensamentos. E talvez este seja um dos meus maiores medos da vida, pois pensamentos têm força e quando eles se unem, tornam-se muito mais fortes que eu. Isso me cansa. Pensar demais cansa, pensamentos cansam a minha existência relativa. Eles cansam tanto, eles me mastigam e cospem em mim. Eles machucam, apertam meu coração, eles não tem dó das minhas fraquezas. Eles sugam minhas energias, energias que eu busco tão incansavelmente... E eu acabo despedaçando sem querer alguma hora.

Eu despedaço porque não sei agir e muitas das vezes opto pela ação errônea. Eu despedaço porque às vezes tanto a direita quanto a esquerda me levam à mesma parede onde bato de frente com minhas dúvidas, anseios e inseguranças. Às vezes, eu me sinto em um labirinto, correndo procurando a saída, enquanto o mundo me observa rindo, pois o labirinto não tem uma saída e eu continuo me iludindo na esperança de sair dali e encontrar um grande campo aberto de gramas verdinhas e um céu azul cheio de nuvens em formato de coração.  

Eu tenho pólos extremos e nunca sei andar ali por aquele caminho do meio, onde tudo parece mais tranquilo e equilibrado. Ou eu sou de mais ou eu sou de menos. Eu percorro ruas erradas, e as ruas são minhas próprias pernas; confusas, perdidas, cansadas, cheias de rachaduras e paralelepípedos quebrados, cheias de becos escuros e perigosos. E minhas ruas são molhadas porque lá de cima a chuva cai com medo do impacto, com nostalgia, ela cai com lembranças e vontade de mudanças. E meus olhos são as nuvens, de onde chove, e chove tanto...

E o dia passa rápido aqui nessa cidade que sou eu mesma, a existência se acelera e às vezes eu perco a noção do mundo, pois tenho a estranha mania de viver no meu próprio mundo. Mas o tempo é relativo demais para eu temer uma rapidez aparente ou ter pressas desnecessárias. Eu penso sobre as velocidades do tempo e nos relógios da vida e tropeço nas minhas contradições... Porque também  penso que minha família  tem pressas óbvias; pressa por liberdade, por felicidade, por paz, e nesses momentos o tempo deixa de ser relativo para mim e torna-se concreto demais para ignorá-lo. Eu quero ter calma e pensar que ainda tenho tempo demais pela frente, que sou muito nova e que na verdade o tempo não existe! Mas nem sempre pensarei assim. As dúvidas e as instabilidades me fazem sim ter pressa, porque eu não consigo não temer o futuro.

E eu também penso no amor, nos diferentes lados do amor... Penso que amor e felicidade andam juntos, porque falta de amor leva à amargura. Penso que dependo de alguém para amar, ser amada e assim, ser feliz, porque eu nunca aprendi a ser feliz sozinha. Eu sempre tive medo da solidão. Mas ora, dias atrás eu também pensei que o amor próprio existe e precisamos dele em primeiro lugar. E minha concepção de amor se torna mais uma de minhas eternas contradições.

Dizem que temos que plantar o amor, mas eu nunca precisei disso... Eu nunca plantei um amor, porque o amor sempre esteve ativo em mim, o amor sempre esteve dentro da minha alma, eu sempre o senti, inclusive eu sempre sinto demais; o amor sou eu mesma inteirinha. O amor foi plantado em mim no dia que eu nasci e hoje sou uma árvore inteira que só quer ser polinizada para espalhar amor ao mundo. Só que o amor dói, e dor de amor é a dor que mais afeta o estado da felicidade. Ironias da existência...

Penso que talvez o amor seja um portal. Aquele único ponto onde o físico e o espiritual se conectam já que ele afeta os dois lados. E se é no amor que o mundo físico e o mundo espiritual se conectam, talvez o amor seja a resposta para a comprovação da existência de outros planos, e isso poderia ser a salvação de muitas vidas se todos fôssemos amor. E isso é bonito de se pensar, pois acabo caindo naquele outro pensamento que também já pensei sobre Deus ser amor, e também sobre Deus ser tudo, todas as energias, as energias de cada ser, o que faz o mundo ser o mundo. Mas não existe amor em tudo, existem muitas guerras pelo mundo – o que vai completamente contra o conceito de amor - e nem todo amor é correspondido. Portanto, ou Deus não é amor ou Deus não é tudo ou Deus não existe, pois eu prefiro pensar que o amor existe.

Só que o amor é difícil, é complicado e por muitas vezes não depende só de mim. Porque o amor deve ser compartilhado! Eu não posso amar sozinha... Às vezes penso que eu não dou certo no amor por conta de quem eu sou, por conta daquela minha existência relativa que me faz ser perdida e me faz agir erroneamente. E aí eu preciso ser forte e resistente para suportar tanto pensamento aleatório, porque o pensamento realmente machuca e o amor também. Mas a força tem de ser estável, e eu sou inteiramente fluida e frágil. Tenho uma "r existência fluida", praguejada e sempre relativa. Tenho a montanha russa em mim.

Eu vivo nas instabilidades e isso me dá medo, porque instabilidade traz mudanças repentinas e surpresas que nem sempre surgem a favor dos meus desejos e anseios. Em um pequeno instante do universo mundos podem mudar, pensamentos podem mudar, tudo pode mudar e então, eu viro solidão. Eu viro uma poeira imperceptível que flutua no meio do nada, sozinha e pensativa, procurando por um pouco de amor em algum coração, sonhando com o impossível e almejando ver o mundo inteiro espalhando por aí que o amor não é banal.     


2 de mar. de 2018

Saquarema



Um amanhecer calmo, ao som dos pássaros e do vento que fazia as árvores dançarem. As manhãs eram cobertas de uma névoa branca, leve, misteriosa. Névoa que me lembrava o céu e que me fazia acreditar que era possível tocar nas nuvens, abraçar as nuvens, fazê-las de escorregador. As folhas amanheciam cobertas pelo orvalho, o que me fazia pensar que é normal chorar às vezes já que até as plantas choram. E o sol acordava junto com a cidade, mandando embora toda uma certa melancolia que pairava no ar e emanando luz e alegria. Este era o amanhecer em Saquarema. 

Ê Saquarema... Cidade litorânea com cara de interior. Cidade do surf, das melhores ondas, dos campeonatos. Cidade dos pescadores simpáticos que traziam em suas almas um sentido mais profundo daquela expressão "história de pescador", porque cada história construída em Saquarema tinha sua magia e seu gostinho de singularidade. Saquarema ensina às pessoas o que é simplicidade e humildade, mostrando que não precisamos de muito para sermos felizes. Saquarema ensina que o verdadeiro perdedor não é aquele que não ganha, e sim aquele que tem tanto medo de perder que nem ao menos tenta... E Saquarema te ensina a tentar, porque o horizonte grita que é possível alcançarmos aquele cantinho onde o Sol dorme.

As tardes eram quentes e cheias de aventuras. Aquelas tardes em Itaúna... Tardes entrelaçadas entre grãos de areia, castelos, caça à tatuís, biscoitos de polvilho e sorrisos. E quantos sorrisos... Quando não assim, as tardes eram perdidas dentre as árvores daquela floresta mágica escondida atrás de casa, apurando nossa imaginação e criatividade em meio a tanta inocência. Parecia normal acreditar em um portal mágico que se abria numa pedra quebrada daquele poço, acreditar em fadas, duendes, em girassóis dançarinos, bromélias enfermeiras, pés de amora conselheiros, e em reinos onde não havia tristeza e injustiças. Mas em Saquarema tudo realmente era possível e normal, pois a vida parecia não ter limites e eu não me cobrava o conceito de normalidade. 

Estradinhas, ruas de terra ou de paralelepípedos cercadas pelo verde das árvores e algumas casinhas cheias de memórias guardadas; eram as ruas de Saquarema. De vez ou outra, apareciam alguns urubus ou gaviões nas árvores da rua de casa. Eles me observavam atentamente enquanto eu passava também os observando e pensando que talvez eles estivessem pensando o mesmo que eu. "O que será que ela está pensando? Talvez o mesmo que nós."



As praias de Saquarema são de tombo, com ondas fortes e perfeitas para surfistas. Mas apesar disso, eu não tinha medo de me aventurar naqueles mares, pois eles pareciam me chamar de forma muito serena, mesmo com tamanha força. Eu nadava no perigo e nem pensava nisso, pois era amor que eu sentia ali e em cada canto de Saquarema. Eu me deixava levar com as ondas como se elas fossem extensões dos meus braços, e essa sensação me trazia não só a certeza de ser quem eu era, como também me trazia a possibilidade de ser o oceano inteiro. Eu me sentia mais forte pensando nas coisas da vida, eu substituía as mágoas por sonhos, eu me renovava, me sentia capaz de enfrentar, superar e conquistar muita coisa. 

Eu mergulhava como uma criança destemida que só sonhava em explorar outros mundos e ver a vida com outros olhos. Eu nadava fundo segurando o máximo de ar que eu conseguia para aproveitar cada segundo submersa, pois eu queria saber como era ser um peixe. Eu olhava para cima e via o reflexo do sol bater na superfície da água, dançando entre as ondinhas que brilhavam tanto... E eu acho que essa foi uma das cenas que mais me trouxeram paz na vida; uma cena que jamais vou esquecer.   

Quando o Sol estava indo embora, meu lugar preferido eram aquelas pedras atrás da igreja, que nem sempre minha vó me deixava ir, pois ela dizia ser perigoso. Mas talvez o perigo sempre tenha me causado um certo fascínio. Não posso dizer que ali presenciei o pôr do sol mais bonito da minha vida, pois hoje sou colecionadora de pores do sol. Mas naquela época, eu me sentia espectadora do pôr do sol mais lindo do mundo. Talvez simplesmente por ser Saquarema, minha cidade do coração, meu cantinho preferido, lugar que me ensinou tanto, que me fazia ser livre e inteira, refúgio da minha infância. Naquelas pedras escrevi "amem sem acento para amar mais", pois apesar de estar atrás de uma igreja, eu sempre quis espalhar amor.



De noite havia a feirinha hippie de Saquarema, ao lado da praça do canhão. Um lugarzinho cheio de boas energias e pessoas que emanavam simplicidade e brilho nos olhos, e que espalhavam a importância da arte. Ali existe até hoje a melhor cocada do mundo! Ali talvez tenha surgido meu interesse por artesanato, por arte, tantos diferentes tipos de arte. Na verdade, muitas das coisas que mais amo surgiram em Saquarema. Ali presenciei a capoeira pela primeira vez na vida, e aquilo me intrigava porque apesar de cantarem "zum zum zum capoeira mata um", eu só enxergava uma linda dança.

Ê Saquarema... Naquela praça, eu caminhava com passos lentos, aproveitando a calma da noite, sentindo a brisa do mar, o cheirinho de maresia, o clima caiçara, observando sorrisos perdidos, e os caranguejinhos que subiam na muretinha onde as ondas quebravam... Eu via meninos pulando da ponte e caindo na água com gargalhadas ecoando, provocando um som de diversão. Eu via gaivotas rasgando o céu e dançando o som da liberdade. Naquela época eu mal sabia o que eram gaivotas e as apelidei de "bicudinhos". Eu gostava tanto de ficar vendo elas voarem, que desta forma acho que eu me sentia mais íntima delas; eu também queria voar, queria ser um bicudinho. 



Eu via barquinhos coloridos ancorados, barquinhos de gente aventureira; e eu também desejava ser assim, aventureira, ter um barquinho e viajar por mares misteriosos. Eu via formigas caminhando em fila e carregando pequenas folhas em cima de suas humildes cabecinhas, e eu desejava ser formiga também. Eu queria carregar esperança nas costas, carregar uma visão do amanhã. Porque a vida sempre foi muito vaga... 

Em casa, lembro-me do som dos grilos, gafanhotos e cigarras, e das pererecas que às vezes entravam em casa e assustavam minha vó, trazendo aquele clima gostoso de comédia. Lembro-me dos lanchinhos de pão com ovo mexido, do cuz cuz carioca, que eram preparados com tanto amor naquele fogão velho e enferrujado de 4 bocas. O gostinho de casa, cheirinho de amor, simplicidade que contagiava almas. Lembro-me de me balançar na rede que tinha no meio da sala, observando a arara de madeira pendurada acima de mim. Uma sala praiana, eu diria...

Em meu quarto havia um quadro com uma boneca pintada carregando flores em um carrinho de mão. Na verdade, eu nunca entendi muito bem aquele quadro, mas ele me fazia querer ser vendedora de flores, distribuir flores por aí colorindo os caminhos da vida. Ou ser como as flores, vendedoras de sonhos... Eu sinto falta de olhar para aquele quadro. De fato, sinto falta de muitas coisas. Eu precisei partir, pois a vida cobra isso de nós alguma hora. Minha hora de enfrentar o mundo chegaria, e eu queria mesmo ir atrás dos meus sonhos com toda a vontade e coragem que eu tinha guardadas no peito. Mas talvez eu só tenha ido porque Saquarema me fez assim...



Saquarema construiu minha alma livre de "bicudinho" e aventureira de pescador. Saquarema construiu meu coração cheio de amor ao mar e também tão profundo e difícil de entender quanto os oceanos. Saquarema me fez exploradora, sonhadora, me fez criança feliz. Saquarema me deu a oportunidade de viver os únicos momentos felizes da minha infância, de verdade... Saquarema me deu forças para lutar, me deu fé, esperança, humildade, criatividade, simplicidade, paz, fluidez. E eu carregarei eternamente minha gratidão e amor por essa cidade, enquanto eu respirar, enquanto meu coração bater e até meu último suspiro. Após isso, quero me misturar naquelas águas e viver para sempre como parte desse imenso e lindo oceano.