24 de out. de 2018

Haux




Das loucas andanças que já vivi, uma delas sinto-me na obrigação de “tentar” contar, pois é, com certeza, uma daquelas histórias de experiências únicas na vida e inexplicáveis.

No caminho, conheci uma menina, dona de um sorriso doce e de uma humildade muito clara. Em certo momento de nossa conversa, ela disse que, após muitas meditações e trabalhos, ela finalmente havia encontrado seu animal de poder. “Um leão tímido”. Eu não sabia se acreditava ou se achava loucura, mas observando seus cabelos cacheados parcialmente escondidos por debaixo de um turbante verde água, aquilo não me pareceu tão surpreendente. Eu enxerguei esse leão que havia dentro dela de várias formas.

Em nosso destino haviam várias outras pessoas, dotadas de vidas muito diferentes e de jeitinhos singulares, mas de alguma forma, conectadas pelo interesse da busca e pela curiosidade.

Estávamos cercados pelo verde das árvores, deslizando nossos pés descalços sobre o solo alaranjado do cerrado, ao som de diferentes espécies de pássaros e insetos. E havia uma oca lindamente decorada com luminárias que me lembravam águas vivas e cangas com figuras do hinduísmo, como Ganesha e Krishna, e do cristianismo, como São Jorge e Jesus. Um desenho que me parecia um extraterrestre envolto a formatos geométricos e mandalas também me despertou a atenção, e toda a união daquela diversidade fazia tudo parecer ainda mais bonito e especial.

Energias tão boas pairavam ali, que eram capazes de me desacelerar, me fazer sentir o ambiente com mais naturalidade, sorrir de forma involuntária. As chamas que cresciam aos poucos na fogueira me hipnotizavam com suas danças, e enchiam aquela cúpula de cinzas, que caíam sobre nós como “o contrário da neve”. E ao fechar os olhos, eu permitia que minha audição e minha sensibilidade ficassem mais acordadas.

Aos poucos, a música ia se conectando a mim, a frequência da minha respiração, ao relaxamento dos meus músculos e a meus batimentos cardíacos, que bombeavam sangue e faziam a vida que há em mim se espalhar pelo meu corpo em seu ritmo próprio. E eu pensava na importância que a música teve e tem na minha vida.

De repente, aquele transe me levou a diversos caminhos mentais tão complexos que são difíceis de serem explicados. Era coisa demais acontecendo aparentemente rápido demais na minha cabeça, mas naquele momento eu conseguia processar tudo com muita clareza.
O som dos indiozinhos rindo, correndo em direção a um rio, o som da água, o som dos pássaros... Um arco e flecha estavam entre minhas mãos e, possivelmente, um roedor, mas eu sentia tanto a vida daquele animalzinho que eu era incapaz de tirá-la... Eu só era caçadora de sonhos e de esperanças.

Eu vivenciei cenas de momentos ruins também, que eu já havia vivenciado mais superficialmente antes, mas agora com uma maior compreensão e muito mais real. Não preciso falar sobre isso, mas posso dizer que foi forte e traumático. Eu chorava, me sentia fraca, não conseguia me mover, sentia dormência por todo o meu corpo e comecei a achar que eu não ia suportar. Mas alguém me dizia: “Auto controle, Gabriela! Força! Está tudo bem! É claro que você suporta, e você precisa ver isso”. E então, eu me entreguei por completo e me permiti viver com calma essa coisa estranha que me parecia uma morte consciente. Era como estar completamente aberta à morte sem medo algum.

Como era um turbilhão de coisas acontecendo rápido demais, é impossível lhe contar exatamente cada situação, cada detalhe. Até mesmo escrevendo um livro isso seria impossível.  Portanto, estou narrando partes que me foram mais memoráveis.

Em uma delas, que na verdade era formada de várias partes, eu percorria lugares e culturas muito distintas. Eu era pessoas diferentes em pequenos flashes de lugares diferentes. Eu pensava que durante toda a minha vida eu me sentia fraca por não me encaixar em certas realidades. Eu nunca me senti integrada a um mundo, seja a um grupo de pessoas, por exemplo, ou a um lugar, ou a uma religião. Sempre foi aquela sensação de “eu não pertenço aqui”, e então, isso me instiga a ir além, a fugir para outra realidade, “recomeçar”, buscar mais conhecimento em outras ideologias... E eu vi que isso me faz ser quem eu sou. Eu não preciso me encaixar em um único mundo, pois eu já estive em muitos mundos.

Eu pedi perdão por meus pecados e eu perdoei quem já me fez mal. Eu perdi o ego no momento em que pedi luz, não para mim, mas para o mundo, para cada pessoa. Eu passei a ver apenas o próximo, e não a mim mesma. E muitas pessoas das quais amo e me preocupo passaram por meus pensamentos em diversas cenas que se complementavam e faziam todo o sentido. E, de repente, tudo parecia ter uma razão maior, que normalmente acaba sendo camuflada quando nosso ego está presente no cotidiano. E eu entendi que o amor era a resposta para a maioria das minhas perguntas...

Eu senti o amor aceso em mim como eu nunca imaginei que fosse possível. Era como se eu o sentisse queimando no meu peito fisicamente, e também mentalmente e espiritualmente. Eu estava literalmente sentindo o amor, e ele se espalhava por mim, por cada pessoa ali presente, por todo aquele ambiente. Tudo era amor. E eu só queria ser capaz de espalhar esse amor por todo o mundo, porque o mundo está urgentemente precisado de amor.

A emoção deste momento lindo não parava de escorrer por meus olhos e, de repente, eu recebi um abraço e ouvi “eu te amo demais” da pessoa que eu amo demais. E eu gostaria de ter dito o mesmo ali naquele instante, e depois ter te abraçado mais forte, te dado o beijo mais profundo da minha vida, e esse seria o momento mais perfeito que já vivenciei. Ou de qualquer forma foi... Mas só o que consegui fazer foi te abraçar e chorar cada vez mais, afogando minha respiração em soluços.

Em certa parte da música que tocava falava-se de um beija flor, que repentinamente apareceu na minha frente como se sorrisse pra mim. E fiquei ainda mais emocionada, pois após a morte da minha bisavó, a figura do beija flor se fez muito presente em tudo que era ligado a ela. Então, era como se eu sentisse a presença dela e toda a luz que ela espalha por nossa família através daquele beija flor azul. Azul...

Azul me lembra mar. E mar me lembra amor incondicional. Ah esse amor ao mar... Eu via ondas enormes quebrando na minha frente e eu também sentia a calmaria da maresia. Extremos que existem em “amores incondicionais” e em tudo nessa vida. E então, eu pensava: “Eu sempre fui mar... Tão profunda quanto os oceanos”. Mas o universo também sempre me encantou e, de repente, aí estavam mais dois extremos. Eu também era a dúvida, as incertezas, a complexidade e as infinitas possibilidades que o universo é. Eu era tão profunda e eu era tão além. Eu era tudo e eu era o nada.

O que eu aqui escrevi é incomparável à imensidão de coisas que pensei, lembrei, senti, vi e ouvi neste ritual, mas por aqui eu termino meus pequenos relatos sobre o dia em que tomei ayahuasca pela primeira vez na minha vida. “Haux!”

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