12 de jul. de 2018

Mochileiro das Galáxias




“Um amigo me chamou para cuidar da dor dele. Guardei a minha no bolso, e fui.” – Clarice Lispector.

Hoje venho falar sobre um amigo em especial, uma pessoa incrível. Tudo começou quando eu, numa fase emocionalmente muito complicada da vida, me aventurei sozinha para explorar novos ares e conhecer novas pessoas. Aquele dia eu levava comigo uma mala preta e rosa cheia de medos e insegurança, mas cheia de sonhos e expectativas também. No momento em que entrei naquele ônibus eu sabia que aquele seria um novo início, de uma nova história, de uma nova eu. Seria a primeira letra maiúscula de uma história sobre desapego e corte de laços, sobre superação, sobre quebrar barreiras e enfrentar medos.

Eu também viajei por motivos de estudo e, com certeza, foi uma experiência única por ter me somado também em conhecimentos. Mas, na verdade, o crescimento espiritual que aquele lugar me deu e os amigos que fiz foram as coisas que mais me valeram. Eu cheguei com medo por não conhecer ninguém, medo de não conseguir socializar com as pessoas por ser muito tímida, medo de não gostarem de mim e eu acabar me isolando e me sentindo pior. Mas isso nunca aconteceu... Eu fui acolhida de uma forma inesquecível. Lá, eu me senti confortável como na minha própria casa, eu pude ter conversas profundas e conversas doidas. Lá, eu consegui sorrir com sinceridade pela primeira vez depois do acontecido que me abalou. Lá, eu vivi grandes – se não as maiores – aventuras da minha vida. Lá, conheci pessoas incríveis, cheias de histórias singulares e com energias tão maravilhosas. E uma dessas pessoas é o protagonista desse texto, meu amigo especial, “mochileiro das galáxias”.

Ele é um menino peculiar e, bom, eu sempre digo que minha palavra preferida nessa vida é “peculiaridade”, não só pela forma bonita que ela soa, mas também por sua essência. Então, é claro que me encanto por pessoas peculiares, como me encantei pelo mochileiro das galáxias, um serzinho tão peculiar e tão parecido comigo. Não demorou muito para nos tornarmos grandes amigos já que nossa loucura era bastante parecida. 

Sabe aquele tipo de amizade que você ama tanto que não consegue mais se ver sem? Aquela amizade de um cuidar do outro como irmãos, de estar sempre ali do lado a qualquer momento, bom ou ruim, a qualquer ocasião, dando conselhos e um ombro amigo? Aqui a frase da Clarice Lispector se enquadra muito bem. Ambos temos grandes dores causadas pela vida, mas ambos cuidamos da dor um do outro como se fosse nossa própria dor. Nunca nos abandonamos...

Sabe aquela amizade de um zuar o outro, fazer piadas, se xingar e se bater como crianças? Aquela amizade de sair para beber junto, tomar aquele porre, vomitar junto ou descrever nossos vômitos, e no dia seguinte comentar sobre como estamos deploráveis de ressaca? Aquela amizade de conversar sobre tudo e sobre nada, todos os dias, de mandar os melhores memes e compartilhar as brisas mais fantásticas e criativas possíveis? Aquela amizade que a gente não tem medo de ser esquisita porque seu amigo também é esquisito e as esquisitices sempre acabam em risada? Aquela amizade de cozinhar e fazer chá, e falar sobre como estamos envelhecendo percebendo esse “rolê de véia”? (Aqui adiciono uma observação: Eu cozinhava, pois ele é o pior cozinheiro da Terra) Sabe aquela amizade de dançar música medieval na chuva, de criar nome para uma nova espécie de animal vista por nossos olhos um tiquinho cegos e de uivar pra Lua? Esse era nosso tipo de amizade – a mais linda e verdadeira.

Chamo meu amigo de “mochileiro das galáxias” por muitos motivos. Ele é a pessoa que estranhamente começou a estudar com uns 13 anos de idade temas como física quântica, nebulosas, surgimento do universo, teoria da relatividade e buraco negro. Ele também ama o universo, como eu. Ele entende das teorias e da física, eu entendo de astrologia e juntos compartilhamos os melhores pensamentos sobre o universo. Assim como eu, ele também pensa que somos poeirinhas insignificantes flutuando no meio de um vasto infinito. Ou que somos parte de um jogo de vídeo game, controlados por algo maior. Ou que a Terra pode ser um ser vivo que carrega seres dentro de si -, que somos nós – assim como carregamos bactérias. Ou ainda, que o “ser vivo principal” pode ser algo muito além da Terra, a Terra pode ser a “bactéria” simbionte, e então, o que somos nós? Espécies de organelas? Moléculas orgânicas? O quão pequenos somos? Qual a razão para existirmos?

E se houvessem duas Luas na Terra? A gravidade seria diferente? As ondas do mar seriam mais revoltas? A maré mudaria a cada segundo? O mar teria o mesmo formato? Seria possível desregular a gravidade e a gente sair flutuando por aí? Poderíamos ser como balões presos em âncoras? Ou a gravidade seria tão mais forte que a gente nem ao menos conseguiria levantar nossos pés? E se assim fosse, todos os seres vivos existentes na Terra seriam sésseis e autótrofos? Tivemos muitos questionamentos vindos de mentes peculiares...

Uma outra razão engraçada para o chamar de mochileiro das galáxias tem a ver com ET. Ele morre de medo de ET e de ser abduzido. E eu jurei para mim mesma que um dia eu ainda iria me vestir de ET e tocar a campainha da casa dele. Talvez eu morreria, porque ele tem uma coleção de facas ninja. Mas eu nunca cheguei a conseguir colocar esse plano em prática. Por outro lado, eu tenho uma certa curiosidade, fascínio e vontade de ser abduzida. Na verdade, também já criamos muitas teorias sobre abdução. Talvez eu já tenha sido abduzida em momentos de paralisia do sono... Enquanto meu corpo estava congelado na cama e vulnerável, poderiam ter me levado para estudo, me devolvido e apagado essas memórias. Nesse dia, eu recebi o apelido "jovem astronauta". 

Um outro dia fomos picados por insetos em formato de triângulo no meio do nada, e daí surgiu mais uma teoria de que essa é a marcação dos ETs para pessoas que um dia ainda serão abduzidas. Ou os pernilongos poderiam ser mini robôs alienígenas, que só servem para coletar nosso sangue para estudo. Depois disso, passamos dias e dias falando sobre ETs e tendo medo de dormir todas as noites.

Meu amigo era misterioso como o universo. É fato que nós, seres humanos, sempre estamos buscando por respostas para satisfazer nossas eternas dúvidas. Mas existem certas dúvidas nas quais jamais teremos respostas, e aí criamos os mitos, as teorias... Por pura necessidade de entendimento. E assim como as teorias para o surgimento do universo, por exemplo, talvez eu também me questionava em busca de respostas que explicassem quem é meu amigo e o que se passava por sua cabecinha complicada. 

Ele era misterioso, cuidadoso, seu olhar demonstrava o quanto ele escondia segredos e o quanto tinha medo desses segredos virem à tona. Mesmo no nosso nível de amizade, ele temia abrir seu coração para mim. Ele era sensível, mas sempre carregou as mais pesadas armaduras. Ele claramente possuía muitas dores psicológicas, e as camuflava com dores físicas. Ele me cedeu um espacinho em seu coração e me ensinou a verdadeira definição para a palavra “amizade”. Mas o universo sempre foi louco... E as coisas acontecem rápido demais nessa vida. De um dia para o outro tudo pode mudar, como mudou... E então, meu amigo pegou sua mochila com uma toalha, oxigênio e objetos imprescindíveis para uma viagem interestelar, e se foi...

Na última vez que o vi, ele me deu um livro de presente como despedida. E eu como sempre sou ingênua nem ao menos percebi que aquilo era uma despedida. Eu nem pude lhe dar um último abraço e dizer o quanto ele foi e é especial para mim, e o quanto ele mudou minha vida. E adivinhe só que livro ele me deu? “O guia do mochileiro das galáxias”. Mais característico e peculiar impossível.  

Acho que agora, a única coisa que eu gostaria de dizer a ele é que lhe sou eternamente grata. A gente nunca sabe o dia de amanhã, a gente nunca sabe quando perderemos alguém especial e quando esses dias chegam, eles deixam um vazio gigante. Mas eu sempre quis o melhor para ele, e se o isolamento o fizer feliz, eu estarei feliz por ele. E eu irei preencher esse vazio com as melhores memórias que tenho de nós dois, e jamais me esquecerei de cada detalhe. Porque amizade assim é rara... Eu nem sei se ainda o verei de novo algum dia nessa vida e só de pensar nisso eu sinto um nó gigante. Mas eu tenho um universo morando dentro de mim, e no meu universo ele sempre estará presente onde quer que ele esteja.



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