2 de mar. de 2018

Saquarema



Um amanhecer calmo, ao som dos pássaros e do vento que fazia as árvores dançarem. As manhãs eram cobertas de uma névoa branca, leve, misteriosa. Névoa que me lembrava o céu e que me fazia acreditar que era possível tocar nas nuvens, abraçar as nuvens, fazê-las de escorregador. As folhas amanheciam cobertas pelo orvalho, o que me fazia pensar que é normal chorar às vezes já que até as plantas choram. E o sol acordava junto com a cidade, mandando embora toda uma certa melancolia que pairava no ar e emanando luz e alegria. Este era o amanhecer em Saquarema. 

Ê Saquarema... Cidade litorânea com cara de interior. Cidade do surf, das melhores ondas, dos campeonatos. Cidade dos pescadores simpáticos que traziam em suas almas um sentido mais profundo daquela expressão "história de pescador", porque cada história construída em Saquarema tinha sua magia e seu gostinho de singularidade. Saquarema ensina às pessoas o que é simplicidade e humildade, mostrando que não precisamos de muito para sermos felizes. Saquarema ensina que o verdadeiro perdedor não é aquele que não ganha, e sim aquele que tem tanto medo de perder que nem ao menos tenta... E Saquarema te ensina a tentar, porque o horizonte grita que é possível alcançarmos aquele cantinho onde o Sol dorme.

As tardes eram quentes e cheias de aventuras. Aquelas tardes em Itaúna... Tardes entrelaçadas entre grãos de areia, castelos, caça à tatuís, biscoitos de polvilho e sorrisos. E quantos sorrisos... Quando não assim, as tardes eram perdidas dentre as árvores daquela floresta mágica escondida atrás de casa, apurando nossa imaginação e criatividade em meio a tanta inocência. Parecia normal acreditar em um portal mágico que se abria numa pedra quebrada daquele poço, acreditar em fadas, duendes, em girassóis dançarinos, bromélias enfermeiras, pés de amora conselheiros, e em reinos onde não havia tristeza e injustiças. Mas em Saquarema tudo realmente era possível e normal, pois a vida parecia não ter limites e eu não me cobrava o conceito de normalidade. 

Estradinhas, ruas de terra ou de paralelepípedos cercadas pelo verde das árvores e algumas casinhas cheias de memórias guardadas; eram as ruas de Saquarema. De vez ou outra, apareciam alguns urubus ou gaviões nas árvores da rua de casa. Eles me observavam atentamente enquanto eu passava também os observando e pensando que talvez eles estivessem pensando o mesmo que eu. "O que será que ela está pensando? Talvez o mesmo que nós."



As praias de Saquarema são de tombo, com ondas fortes e perfeitas para surfistas. Mas apesar disso, eu não tinha medo de me aventurar naqueles mares, pois eles pareciam me chamar de forma muito serena, mesmo com tamanha força. Eu nadava no perigo e nem pensava nisso, pois era amor que eu sentia ali e em cada canto de Saquarema. Eu me deixava levar com as ondas como se elas fossem extensões dos meus braços, e essa sensação me trazia não só a certeza de ser quem eu era, como também me trazia a possibilidade de ser o oceano inteiro. Eu me sentia mais forte pensando nas coisas da vida, eu substituía as mágoas por sonhos, eu me renovava, me sentia capaz de enfrentar, superar e conquistar muita coisa. 

Eu mergulhava como uma criança destemida que só sonhava em explorar outros mundos e ver a vida com outros olhos. Eu nadava fundo segurando o máximo de ar que eu conseguia para aproveitar cada segundo submersa, pois eu queria saber como era ser um peixe. Eu olhava para cima e via o reflexo do sol bater na superfície da água, dançando entre as ondinhas que brilhavam tanto... E eu acho que essa foi uma das cenas que mais me trouxeram paz na vida; uma cena que jamais vou esquecer.   

Quando o Sol estava indo embora, meu lugar preferido eram aquelas pedras atrás da igreja, que nem sempre minha vó me deixava ir, pois ela dizia ser perigoso. Mas talvez o perigo sempre tenha me causado um certo fascínio. Não posso dizer que ali presenciei o pôr do sol mais bonito da minha vida, pois hoje sou colecionadora de pores do sol. Mas naquela época, eu me sentia espectadora do pôr do sol mais lindo do mundo. Talvez simplesmente por ser Saquarema, minha cidade do coração, meu cantinho preferido, lugar que me ensinou tanto, que me fazia ser livre e inteira, refúgio da minha infância. Naquelas pedras escrevi "amem sem acento para amar mais", pois apesar de estar atrás de uma igreja, eu sempre quis espalhar amor.



De noite havia a feirinha hippie de Saquarema, ao lado da praça do canhão. Um lugarzinho cheio de boas energias e pessoas que emanavam simplicidade e brilho nos olhos, e que espalhavam a importância da arte. Ali existe até hoje a melhor cocada do mundo! Ali talvez tenha surgido meu interesse por artesanato, por arte, tantos diferentes tipos de arte. Na verdade, muitas das coisas que mais amo surgiram em Saquarema. Ali presenciei a capoeira pela primeira vez na vida, e aquilo me intrigava porque apesar de cantarem "zum zum zum capoeira mata um", eu só enxergava uma linda dança.

Ê Saquarema... Naquela praça, eu caminhava com passos lentos, aproveitando a calma da noite, sentindo a brisa do mar, o cheirinho de maresia, o clima caiçara, observando sorrisos perdidos, e os caranguejinhos que subiam na muretinha onde as ondas quebravam... Eu via meninos pulando da ponte e caindo na água com gargalhadas ecoando, provocando um som de diversão. Eu via gaivotas rasgando o céu e dançando o som da liberdade. Naquela época eu mal sabia o que eram gaivotas e as apelidei de "bicudinhos". Eu gostava tanto de ficar vendo elas voarem, que desta forma acho que eu me sentia mais íntima delas; eu também queria voar, queria ser um bicudinho. 



Eu via barquinhos coloridos ancorados, barquinhos de gente aventureira; e eu também desejava ser assim, aventureira, ter um barquinho e viajar por mares misteriosos. Eu via formigas caminhando em fila e carregando pequenas folhas em cima de suas humildes cabecinhas, e eu desejava ser formiga também. Eu queria carregar esperança nas costas, carregar uma visão do amanhã. Porque a vida sempre foi muito vaga... 

Em casa, lembro-me do som dos grilos, gafanhotos e cigarras, e das pererecas que às vezes entravam em casa e assustavam minha vó, trazendo aquele clima gostoso de comédia. Lembro-me dos lanchinhos de pão com ovo mexido, do cuz cuz carioca, que eram preparados com tanto amor naquele fogão velho e enferrujado de 4 bocas. O gostinho de casa, cheirinho de amor, simplicidade que contagiava almas. Lembro-me de me balançar na rede que tinha no meio da sala, observando a arara de madeira pendurada acima de mim. Uma sala praiana, eu diria...

Em meu quarto havia um quadro com uma boneca pintada carregando flores em um carrinho de mão. Na verdade, eu nunca entendi muito bem aquele quadro, mas ele me fazia querer ser vendedora de flores, distribuir flores por aí colorindo os caminhos da vida. Ou ser como as flores, vendedoras de sonhos... Eu sinto falta de olhar para aquele quadro. De fato, sinto falta de muitas coisas. Eu precisei partir, pois a vida cobra isso de nós alguma hora. Minha hora de enfrentar o mundo chegaria, e eu queria mesmo ir atrás dos meus sonhos com toda a vontade e coragem que eu tinha guardadas no peito. Mas talvez eu só tenha ido porque Saquarema me fez assim...



Saquarema construiu minha alma livre de "bicudinho" e aventureira de pescador. Saquarema construiu meu coração cheio de amor ao mar e também tão profundo e difícil de entender quanto os oceanos. Saquarema me fez exploradora, sonhadora, me fez criança feliz. Saquarema me deu a oportunidade de viver os únicos momentos felizes da minha infância, de verdade... Saquarema me deu forças para lutar, me deu fé, esperança, humildade, criatividade, simplicidade, paz, fluidez. E eu carregarei eternamente minha gratidão e amor por essa cidade, enquanto eu respirar, enquanto meu coração bater e até meu último suspiro. Após isso, quero me misturar naquelas águas e viver para sempre como parte desse imenso e lindo oceano. 

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