26 de dez. de 2017

Você é muito melhor que isso

Uma noite em algum lugar eu estava pensando... A vida nunca foi perfeita, e talvez seja por isso que sempre me prendi em um mundo irreal.

Lembro-me daquelas paredes brancas e sujas cheias de rachaduras e imagens de santos, uma cruz acima do quadro negro... Paredes que pareciam me fechar em um mundo sem saídas, sem cor, sem brilho, sem ar. Toda manhã tínhamos que rezar em grandes filas de pequenas pessoinhas, que nem sabiam o que estavam fazendo ali. Nos obrigavam a pedir perdão por nossos pecados e contar sobre nossos pecados, mas com aquela idade, saberíamos nós o que seria pecado? Nos educaram estritamente com a visão do catolicismo, reprimindo qualquer outra religião ou ideologia, o que talvez tenha levado à prisão de muitas mentes. Eles pregavam a igualdade – ou a hipocrisia? -, eles pregavam o amor, mas pouco sabiam o que acontecia fora de seus campos de visão.  

Lembro-me das eternas lições, que me cansavam, mas ao mesmo tempo eram distrações para minha mente. Lembro-me das minhas dúvidas sobre prestar atenção àquelas palavras ou ao relógio que sempre parecia congelado. Lembro-me daquele jardim com um parquinho, sob um pé de carambola... Um jardim que tinha tudo para ser lindo e incrivelmente memorável para uma criança, mas eu só consigo ter lembranças daquele gosto amargo e daquelas lágrimas quentes. Eu parecia nem mesmo conseguir ver meu próprio reflexo nas águas, pois eu não sabia mais quem eu era.



Lembro-me dos primeiros sonhos e de toda aquela loucura, as alucinações que ninguém acreditava... Eu não tinha ninguém em quem confiar, não tinha ninguém para dizer que eu não estava bem, eu não conseguia pedir socorro, eu tinha medo. Chegar em casa também não era bom como eu gostaria e certos problemas me fizeram criar um bloqueio de comunicação com a minha família. As brigas e loucuras só se acumulavam e eu preferia me isolar até mesmo na minha casa, pois eu não suportava mais tudo aquilo. Eu me sentia isolada em todo e qualquer lugar, sentia que talvez o problema era eu mesma, por não conseguir me encaixar no mundo e em suas “normalidades”.

Lembro-me daquele sonho do jardim bonito, com flores diferentes e de infinitos tons vibrantes, uma cachoeira de águas tão puras e cheias de energia, uma casinha branca que eu não podia entrar, e sentia que ali haviam tantas respostas... Aquele jardim perto das nuvens era especial, e você estava tão feliz lá, vó... Aquele foi o sonho que te levou para o céu, o sonho que eu sabia que não era só um sonho. Porque só eu sei que você está realmente lá. E isso me fez uma médium? Não. Infelizmente, fui chamada de louca e de bruxa. “Você precisa de Deus”, diziam.



Lembro-me do eco daquelas risadas cruéis, daqueles olhares indefinidos, de fofocas sem o menor sentido, da sensação de isolamento e solidão, sensação de “ser diferente”. Mas o que seria ser normal? Quais são as regras? Lembro-me de sempre ter sido a última escolhida em equipes de educação física, e isso inevitavelmente me abalava. Porque apesar de eu saber que eu realmente não jogava bem, outras pessoas também não jogavam. Mas era tudo uma questão de estereótipo e julgamento. Lembro-me de entrar no banheiro para chorar todos os dias, e de ter vontade de ficar lá dentro até a hora de ir embora, pois eu não tinha mais coragem de enfrentar o mundo. Lembro-me de nunca ter um par em tarefas de dupla e acabar me juntando com quem restava ou me encaixando em um trio em que não ficavam felizes em me ter ali, porque eu era "esquisita". Lembro-me de nunca ter tido um namoradinho na escola, porque quem eu gostava me disse que eu era muito feia e muito estranha para ele. 

E desde então, eu cresci idealizando a imagem do surgimento de um aluno novo num primeiro dia de aula que me notasse, mas de uma forma boa. Eu idealizava o surgimento de amigos, de crianças boas... Pois eu não queria mais ser sozinha! Eu criava utopias de histórias de amor e amizade que nunca existiram, talvez por ingenuidade, ou talvez por querer manter minhas esperanças. E eu ainda tinha tanta esperança dentro de mim, que até mesmo chateada e odiando todos ali dentro, lembro-me de tentar o meu melhor em falar com as pessoas, me aproximar de alguém, tentar ser “normal”, porque eu era apenas uma criança... Eu só queria ter amigos como todos, ser feliz e me sentir viva, ter alguém para dividir histórias, para me divertir, para confiar.

Mas tudo o que sei é: Em um mundo baseado em estereótipos, ninguém mantém palavras e ninguém busca entender o que se passa dentro de uma pessoa que é julgada. Ninguém estava lá por mim quando eu mais precisei. Eu fui humilhada, fui chamada de esquisita, fui trancada em um banheiro minúsculo e conhecido como “assombrado” tendo claustrofobia e sendo uma médium que nunca havia estudado sobre mediunidade. Meu medo e falta de ar pareciam me matar... Eu perdia a noção de tempo e de realidade. Eu surtei. Fui forçada a comer carambola podre com areia, fui mordida, apanhei, fui excluída, fui assediada, passei por um improviso de exorcismo, fui motivo de risada. E só porque eu era tímida? Fechada no meu próprio mundo imaginário? Porque não sabia como conversar com as pessoas e olhar nos olhos de alguém? Só porque eu era médium e não aceitava ficar estagnada naquele catolicismo exagerado? Ou porque eu tinha problemas psicológicos e assim, “diferente”? Se a sociedade diz, ok... Quem era eu para discordar do estereótipo de louca?

Eu era apenas uma garotinha perdida que queria se sentir normal, mas em certo momento eu já não sabia mais como continuar tentando, eu não sabia mais quem eu era. Eu queria fugir para longe, mas não sabia como e meus planos não saíam dos papéis. E então eu desisti, muitas vezes... Eu perdia as esperanças, mas no fundo eu não queria perdê-las. Eu queria ser forte... Porque toda a minha vida eu me senti sobrevivendo, mas eu só queria me sentir realmente viva. E eu sabia que quando esse dia chegasse eu me sentiria feliz de fato, e a pessoa mais forte do mundo. Acho que ser feliz e "viva" era meu maior sonho. 

Então, minha inocência me levou para um refúgio extraordinário... Estranho como eu ou não, meu refúgio era uma floresta encantada escondida no poço de trás da casa do meu avô. Eu posso ser estranha, mas eu sentia que aquelas "fadas disfarçadas de flores" me ouviam e me entendiam muito mais do que qualquer um. E até mesmo o saca-rolhas encantado, que era inanimado, mas parecia feliz por eu ter descoberto seu segredo e ter conseguido abrir o portal da floresta mágica em uma pedra quebrada daquele antigo poço. E os pés de amora sempre pareciam tão bonitos e cheios de conhecimento. Eles poderiam dar-lhe os melhores conselhos do mundo. As bromélias eram as enfermeiras do reino, assim como cada pequena flor, fruto e folha exercia um papel fundamental para tudo que existia ali. Os girassóis eram os melhores dançarinos do reino. Eles costumavam dançar de um lado para o outro em passos tranquilos e leves ao som da brisa do mar. O que me fazia querer ir ver o mar...



E no final da tarde, a princesa da floresta mágica ia andar na praia, como sempre fazia quando podia. Eu costumava brincar com gastrópodes, cavar a areia e catar tatuí, construir castelos de areia, tirar algumas estrelas do mar vivas do supralitoral e colocá-las no mar, observar o pôr-do-sol sentada naquelas rochas atrás da igreja ou nadar como se meu corpo estivesse todo conectado ao mar. Eu costumava mergulhar e lá de baixo olhar para cima para observar o reflexo do sol atingindo a superfície da água. Essa imagem me trazia uma paz indescritível. Eu também costumava boiar e me deixar levar com as ondas como se elas fossem extensões dos meus braços. Sentia as ondas como se fossem parte de mim. E naquele momento eu podia ser qualquer coisa que eu queria. Eu podia ser não só eu mesma, como também o oceano inteiro! Hoje eu vejo que aquele cantinho me salvou, minha inocência e criatividade me salvaram, a natureza e o mar, a sensação de querer ser livre e exploradora...



E então, o que aconteceu na minha infância me fez querer mudar, me fez ser mais e mais sonhadora, me deu mais esperanças e expectativas, me fez querer lutar por um mundo sem barreiras, sem quatro paredes, sem tristeza e longe daquele colégio cheio de gente ruim e hipócrita... Em algum lugar onde eu poderia ter oportunidades de ser quem eu sou. Eu sei que eu fui forte e corajosa quando procurei meu mundo perfeito no mundo real. Eu escolhi deixar a floresta mágica e enfrentar a vida "nada mágica". Eu sei que a cada recaída, eu penso que nunca fui forte o suficiente. Ainda é difícil às vezes e é absolutamente normal. Mas agora eu sei que preciso pensar:

Eu fui forte pra caralho! E ainda me torno cada vez mais forte a cada passo da minha vida. Por isso, eu não vou cair de novo. Eu não quero e não posso cair de novo! Eu me sinto uma pessoa mais feliz, tranquila e evoluída hoje, e sei que serei muito mais no futuro, pois não pretendo desistir de bater minhas asas enquanto ainda existir vida dentro de mim. E eu quero ver o meu futuro acontecer diante de meus olhos com uma expressão de alegria e tranquilidade. Eu quero sorrir para sempre. Eu quero paz, quero amor, quero boas inconstâncias. Quero continuar sendo esquisita, pois hoje não me envergonho disso! Eu não quero normalidade! Quero dar risada e viver momentos lindos e inesquecíveis! Quero viajar e conhecer novos lugares e novas pessoas. Quero aprender com a vida e com a essência de coisas simples. Eu quero fazer coisas incríveis. Eu sei que há algo realmente importante esperando por mim nesta vida e eu quero descobrir meu objetivo de vida!

Então, este é o meu conselho para pessoas que passaram ou estão passando por coisas semelhantes: 

Por muitas vezes, a vida é difícil e tudo parece estar fora do nosso controle. Você ouvirá muitos "não" antes de um "sim". A vida tentará derrubá-lo várias e várias vezes, incansavelmente. Você vai aprender a superar obstáculos e enfrentar desafios a partir de sofrimentos, que podem parecer te matar, mas sim, eles ensinam. E não só ensinam, mas também constroem parte de nossa história e são parcelas importantíssimas na construção da nossa mente, do nosso caráter, do que acreditamos e de tudo o que somos. Às vezes você pensará "nada nunca vai mudar!" e você pode pensar em desistir, como eu também pensei. E tentei... 7 vezes para ser exata. Uma voz bem la no fundo da sua alma chamada depressão pode gritar dizendo que você é insignificante no mundo e que sua morte não faria diferença alguma. Mas acredite em mim, "nunca" é uma palavra muito forte. E sim, tudo vai mudar! Tudo no mundo está em constante mudança. Como Lavoisier disse: "Na natureza, nada é criado, nada é perdido, tudo se transforma". Acredite na transformação, amigo(a)!


Apegue-se a coisas simples, admire as coisas mais bonitas do mundo, porque estamos cercados de belezas e energias que nem são notadas! E essas belezas fazem tanta diferença para nossa alma... Sorria mesmo que sozinho quando reparar em detalhes que te cativem e não tenha vergonha disso! Não tenha vergonha de ser 100% de quem você é! Tenha razões para viver, metas e mais metas para te fazerem não querer desistir. Sonhe e arrisque sonhar alto com toda sua essência! Porque sonhar é viver! E se você quiser mudar, mude! Fuja do mundo que te dá as costas abraçando o mundo! Liberte-se de alguma forma e não tema buscar por essa liberdade, porque um ambiente agradável faz um efeito muito mais positivo do que um antidepressivo. 

Seja feliz incondicionalmente, sinta-se bonito mesmo quando alguém lhe disser que você é feio ou estranho, porque a beleza interna vale mais e porque "esquisitisse" é algo admirável. O que é comum não é notado, passa despercebido... Aprenda a ter amor próprio, pois se não amamos a nós mesmos, quem irá nos amar? Seja luz! Seja forte! Seja você! Se deixe levar, tenha fé, tenha calma, respire fundo, inspire, expire, com calma, tenha coragem, arrisque, vá atrás de sua felicidade, evolua seu estado de espírito. Feche seus ouvidos para pessoas que têm suas cabeças fechadas. Porque você é incrível! E nunca se atreva a tentar desistir! Não porque “é pecado”, mas porque você é muito melhor que isso! E seu valor não diminui baseado na incapacidade de alguém notar a sua luz...

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