“Um amigo me chamou para cuidar da dor dele.
Guardei a minha no bolso, e fui.” – Clarice Lispector.
Hoje venho falar sobre um amigo em especial,
uma pessoa incrível. Tudo começou quando eu, numa fase emocionalmente muito complicada
da vida, me aventurei sozinha para explorar novos ares e conhecer novas
pessoas. Aquele dia eu levava comigo uma mala preta e rosa cheia de medos e
insegurança, mas cheia de sonhos e expectativas também. No momento em que
entrei naquele ônibus eu sabia que aquele seria um novo início, de uma nova
história, de uma nova eu. Seria a primeira letra maiúscula de uma história
sobre desapego e corte de laços, sobre superação, sobre quebrar barreiras e
enfrentar medos.
Eu também viajei por motivos de estudo e, com
certeza, foi uma experiência única por ter me somado também em conhecimentos.
Mas, na verdade, o crescimento espiritual que aquele lugar me deu e os amigos
que fiz foram as coisas que mais me valeram. Eu cheguei com medo por não
conhecer ninguém, medo de não conseguir socializar com as pessoas por ser muito
tímida, medo de não gostarem de mim e eu acabar me isolando e me sentindo pior.
Mas isso nunca aconteceu... Eu fui acolhida de uma forma inesquecível. Lá, eu
me senti confortável como na minha própria casa, eu pude ter conversas
profundas e conversas doidas. Lá, eu consegui sorrir com sinceridade pela
primeira vez depois do acontecido que me abalou. Lá, eu vivi grandes – se não
as maiores – aventuras da minha vida. Lá, conheci pessoas incríveis, cheias de
histórias singulares e com energias tão maravilhosas. E uma dessas pessoas é o
protagonista desse texto, meu amigo especial, “mochileiro das galáxias”.
Ele é um menino peculiar e, bom, eu sempre digo
que minha palavra preferida nessa vida é “peculiaridade”, não só pela forma
bonita que ela soa, mas também por sua essência. Então, é claro que me encanto
por pessoas peculiares, como me encantei pelo mochileiro das
galáxias, um serzinho tão peculiar e tão parecido comigo. Não demorou muito para nos
tornarmos grandes amigos já que nossa loucura era bastante parecida.
Sabe
aquele tipo de amizade que você ama tanto que não consegue mais se ver sem?
Aquela amizade de um cuidar do outro como irmãos, de estar sempre ali do lado a
qualquer momento, bom ou ruim, a qualquer ocasião, dando conselhos e um ombro
amigo? Aqui a frase da Clarice Lispector se enquadra muito bem. Ambos temos
grandes dores causadas pela vida, mas ambos cuidamos da dor um do outro como se
fosse nossa própria dor. Nunca nos abandonamos...
Sabe aquela amizade de um zuar o outro, fazer
piadas, se xingar e se bater como crianças? Aquela amizade de sair para beber
junto, tomar aquele porre, vomitar junto ou descrever nossos vômitos, e no dia
seguinte comentar sobre como estamos deploráveis de ressaca? Aquela amizade de
conversar sobre tudo e sobre nada, todos os dias, de mandar os melhores memes e
compartilhar as brisas mais fantásticas e criativas possíveis? Aquela amizade
que a gente não tem medo de ser esquisita porque seu amigo também é esquisito e
as esquisitices sempre acabam em risada? Aquela amizade de cozinhar e fazer
chá, e falar sobre como estamos envelhecendo percebendo esse “rolê de véia”?
(Aqui adiciono uma observação: Eu cozinhava, pois ele é o pior cozinheiro da
Terra) Sabe aquela amizade de dançar música medieval na chuva, de criar nome
para uma nova espécie de animal vista por nossos olhos um tiquinho cegos e de
uivar pra Lua? Esse era nosso tipo de amizade – a mais linda e verdadeira.
Chamo meu amigo de “mochileiro das galáxias”
por muitos motivos. Ele é a pessoa que estranhamente começou a estudar com uns
13 anos de idade temas como física quântica, nebulosas, surgimento do universo,
teoria da relatividade e buraco negro. Ele também ama o universo, como eu. Ele
entende das teorias e da física, eu entendo de astrologia e juntos
compartilhamos os melhores pensamentos sobre o universo. Assim como eu, ele também
pensa que somos poeirinhas insignificantes flutuando no meio de um vasto
infinito. Ou que somos parte de um jogo de vídeo game, controlados por algo
maior. Ou que a Terra pode ser um ser vivo que carrega seres dentro de si -, que
somos nós – assim como carregamos bactérias. Ou ainda, que o “ser vivo
principal” pode ser algo muito além da Terra, a Terra pode ser a “bactéria”
simbionte, e então, o que somos nós? Espécies de organelas? Moléculas
orgânicas? O quão pequenos somos? Qual a razão para existirmos?
E se houvessem duas Luas na Terra? A gravidade seria diferente? As ondas do mar seriam mais revoltas? A maré mudaria a cada segundo? O mar
teria o mesmo formato? Seria possível desregular a gravidade e a gente sair
flutuando por aí? Poderíamos ser como balões presos em âncoras? Ou a gravidade
seria tão mais forte que a gente nem ao menos conseguiria levantar nossos pés? E
se assim fosse, todos os seres vivos existentes na Terra seriam sésseis e
autótrofos? Tivemos muitos questionamentos vindos de mentes peculiares...
Uma outra razão engraçada para o chamar de
mochileiro das galáxias tem a ver com ET. Ele morre de medo de ET e de ser
abduzido. E eu jurei para mim mesma que um dia eu ainda iria me vestir de ET e
tocar a campainha da casa dele. Talvez eu morreria, porque ele tem uma coleção
de facas ninja. Mas eu nunca cheguei a conseguir colocar esse plano em prática.
Por outro lado, eu tenho uma certa curiosidade, fascínio e vontade de ser
abduzida. Na verdade, também já criamos muitas teorias sobre abdução. Talvez eu
já tenha sido abduzida em momentos de paralisia do sono... Enquanto meu corpo
estava congelado na cama e vulnerável, poderiam ter me levado para estudo, me
devolvido e apagado essas memórias. Nesse dia, eu recebi o apelido "jovem astronauta".
Um outro dia fomos picados por insetos em formato
de triângulo no meio do nada, e daí surgiu mais uma teoria de que essa é a
marcação dos ETs para pessoas que um dia ainda serão abduzidas. Ou os
pernilongos poderiam ser mini robôs alienígenas, que só servem para coletar
nosso sangue para estudo. Depois disso, passamos dias e dias falando sobre ETs e tendo medo de dormir todas as noites.
Meu amigo era misterioso como o universo. É
fato que nós, seres humanos, sempre estamos buscando por respostas para
satisfazer nossas eternas dúvidas. Mas existem certas dúvidas nas quais jamais
teremos respostas, e aí criamos os mitos, as teorias... Por pura necessidade de
entendimento. E assim como as teorias para o surgimento do universo, por exemplo, talvez eu
também me questionava em busca de respostas que explicassem quem é meu amigo e
o que se passava por sua cabecinha complicada.
Ele era misterioso, cuidadoso,
seu olhar demonstrava o quanto ele escondia segredos e o quanto tinha medo
desses segredos virem à tona. Mesmo no nosso nível de amizade, ele temia abrir
seu coração para mim. Ele era sensível, mas sempre carregou as mais pesadas
armaduras. Ele claramente possuía muitas dores psicológicas, e as camuflava com dores físicas. Ele me cedeu um espacinho em seu coração e me ensinou a verdadeira
definição para a palavra “amizade”. Mas o universo sempre foi louco... E as
coisas acontecem rápido demais nessa vida. De um dia para o outro tudo pode
mudar, como mudou... E então, meu amigo pegou sua mochila com uma toalha, oxigênio e
objetos imprescindíveis para uma viagem interestelar, e se foi...
Na última vez que o vi, ele me deu um livro de
presente como despedida. E eu como sempre sou ingênua nem ao menos percebi que
aquilo era uma despedida. Eu nem pude lhe dar um último abraço e dizer o quanto
ele foi e é especial para mim, e o quanto ele mudou minha vida. E adivinhe só que
livro ele me deu? “O guia do mochileiro das galáxias”. Mais característico e
peculiar impossível.
Acho que agora, a única coisa que eu gostaria
de dizer a ele é que lhe sou eternamente grata. A gente nunca sabe o dia de
amanhã, a gente nunca sabe quando perderemos alguém especial e quando esses dias
chegam, eles deixam um vazio gigante. Mas eu sempre quis o melhor para ele, e
se o isolamento o fizer feliz, eu estarei feliz por ele. E eu irei preencher esse vazio
com as melhores memórias que tenho de nós dois, e jamais me esquecerei de cada
detalhe. Porque amizade assim é rara... Eu nem sei se ainda o verei de novo
algum dia nessa vida e só de pensar nisso eu sinto um nó gigante. Mas eu tenho um universo morando dentro de mim, e no
meu universo ele sempre estará presente onde quer que ele esteja.